11.9.17

Quantas ruas ocultas tem a cidade?

Queens of the Stone Age”, “The Way You Used to Do”, in https://www.youtube.com/watch?v=YNuTgTCHbV8    
Não chegam os mapas que rastreiam as porosidades da cidade, rua por rua, sem deixar casa por esquadrinhar. Por mais minúcia que seja colocada na cartografia da cidade, há espaços não apreendidos, lugares que passam incólumes aos instrumentos de observação, como se houvesse uma dimensão paralela que oculta esses espaços do olhar. E, contudo, escondidos, eles têm existência. Quase sempre, existência que se resume a uma prolongada pungência para quem nesses lugares se encontra no lugar de vítima.
O dialeto da violência tem miscigenação com o idioma vulgar. Até os mais atentos, os puristas da semântica, poderão não notar as diferenças. Uma vírgula fora do lugar, um erro na ortografia que passa debaixo do olhar escrupuloso, mas, todavia, capaz de cair no logro da distração, ou apenas de ser presa do olhar cansado, de tanta função ser diligente provedor. No âmago do dialeto da violência há uma vertigem pela violência em estado puro, a violência gratuita, laboratorial, que se oferece num altar de prazeres apenas porque os interiores mecanismos mentais congeminam estruturas que acolhem a atrocidade com indisfarçável deleite.
A violência é despejada em doses variáveis. Ora em pequenas encomendas, quase impercetíveis ao olhar atento. Ora em doses maciças, numa tempestade desbocada de violência que se abate sobre um alvo. As vítimas da violência gratuita tanto podem ser criteriosamente escolhidas, como serem o produto de um acaso, a presa assim açambarcada por uma lotaria aziaga. Seja como for, o paradigma é o da vítima fraca. Tem de ser alguém mais frágil do que o perpetrador da violência. Pois ele tem consciência da sua covardia. A sua violência esconde-se atrás de cortinas baças. Só se revela quando, num movimento brusco e inesperado, o fautor a retira do esconderijo e a despeja num ato instantâneo. Não há prévios avisos no dialeto da violência. E eles, os violentos despudorados, excitam-se com o quadro macabro ao serem testemunhas de eleição do sofrimento da presa. Dir-se-ia: um prazer pornográfico – não fosse dar-se o caso de o recurso estilístico apoucar o sexo (mesmo na sua vertente pornográfica), o que não joga a favor do sexo na comparação imerecida com a violência diligentemente praticada pelos zelotas da crueldade.
É um lugar banal. O pragmatismo, consagrado pelos que há muito emigraram as ilusões tangentes a um certo lirismo, atira para cima da mesa a pergunta sacramental: e não seremos todos (ou quase) perpetradores, ou pelo menos acólitos, da embriaguez de violência?

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