8.9.17

Trapaça

Ty Segall and the Muggers, “Squealer” (live on KEXP), in https://www.youtube.com/watch?v=MvEE0FLRNHg    
Não sou de começar uma frase dizendo “dantes é que era” (e depois completá-la a preceito para provar que as coisas agora, no domínio sob escrutínio, não se comparam às adversidades de outrora e que, portanto, dantes é que se podia falar de proezas e agora é tudo gente tenra).
Quando passam pelos olhos imagens de pescadores servidos por tecnologia de ponta à cata de bancos de peixe, como se a tecnologia fosse um íman que ordena os pesqueiros a seguirem na direção de onde se discernem os bancos de peixe, é de trapaça que se fala. Não é para aqui chamada a retórica ecológica – não que possa ser menosprezada; para o caso e para o argumento que se expõe, não tem cabimento. Dantes, os pescadores tinham de seguir o instinto, lançando as redes ao calhas, lançando as canas de pesca aleatoriamente, à espera que ao isco adviesse um peixe, à espera que ao fundo das redes se prendessem numerosos peixes e a faina estivesse feita. Agora é diferente. Liga-se a maquineta, um sonar com a mais evoluída tecnologia, e os peixes, se os houver nas imediações, são sinalizados. É só virar o leme da embarcação, apontá-la às coordenadas denunciadas pelo aparato tecnológico. É tudo fácil. Mas, afinal, não é esse o propósito da tecnologia (facilitar as funções que temos entre mãos)?
Sobra ainda a parte mais difícil da empreitada, sobretudo quando a pesca é grossa e se exige força de braço para vencer pelo cansaço as presas de mais de cem quilos que se debatem, furiosamente, como quem adivinha que esse combate é a fina linha divisória entre sobrevivência e óbito. Se a luta com o peixe ferido de morte tiver vencimento para o lado do pescador, é ainda preciso força braçal para içar a presa a bordo.
De volta ao método de indagação dos bancos de pesca: é como o jogador que tem a confortável tarefa de intuir os números na penumbra, afinal não jogando no escuro, mas com algum conhecimento de causa, dissolvendo o risco e tendo a certeza do resultado favorável. Ou do espetador de uma peça de teatro que sabe, antes de a peça começar, o seu epílogo. Ou dos pleitos desportivos em que é sabido o resultado ainda os competidores não foram a jogo. São manhas que transfiguram a função. A luta ganha foros de desigualdade. É a legitimação da batota, que perde a carga negativa da palavra por ela deixar de ser usada nos termos em que depreciativamente o é quando alguém coloca outrem no banco da censura.
Consta que é maleita que se itera. Num juízo bondoso, dir-se-ia que a impaciência incendeia o limite da trapaça. Os que forem menos condescendentes, caem no logro do juízo moral. É melhor recusarem, não vá um mais tardio boomerang despenhar-se sobre eles.

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