4.3.21

Onde está a passadeira vermelha?

Max Richter, “Mercy”, in https://www.youtube.com/watch?v=uWrc6ihmaE0

A pompa previa uma passadeira vermelha. Uma perene passadeira vermelha por onde quer que passasse. A diligência do escol consentia a extravagância. Não se dissesse da sua pose que era plástica, ou qualquer outro adjetivo depreciativo. Os comuns mortais devem contínuas genuflexões aos do escol. Mesmo que estes sejam tão mortais como os comuns mortais.

Houve um dia que a passadeira vermelha não estava hasteada à entrada do centro cultural. Indignado, mandou um pajem interpelar o diretor do centro cultural. O pajem, investido na autoridade delegada do membro do escol, interrogou o comissário com a sobranceria que é permitida ao escol. O comissário não tinha sido informado do manifesto de visitas. Não sabia que o distinto membro do escol ia honrar o centro cultural com a sua presença.

O comissário mandou chamar o subordinado responsável pelos assuntos protocolares. Fê-lo sob o escrutínio do membro do escol, com a devida proteção dos pajens agenciados para o protegerem. O subordinado insubordinou-se. Respondeu em maus modos ao comissário e contou-lhe meia dúzia de verdades que estavam atravessadas no goto há uns meses. Não contente, a rebeldia estendeu-se ao membro do escol, invetivando-o por pertencer a uma paradoxal oligarquia: tinha lá admissão, na coerência das coisas – protestou o funcionário, lutando contra as tentativas de amordaçamento dos pajens – um emérito abencerragem que teorizou a igualdade irremediável passear a superioridade de casta e exigir, a cada passo, a passadeira vermelha sob os pés?

Outros subordinados do comissário, tomando nota do burburinho, juntaram-se ao acontecimento e entoaram palavras de apoio ao colega que já estava imobilizado pelos pajens em pose de gorila. Dois deles traziam a passadeira vermelha a tiracolo. O comissário e o membro do escol perceberam que era um motim. Mal tiveram tempo para o perceber, e os dois funcionários do centro cultural arremessaram a passadeira vermelha para cima dos gorilas e do membro do escol, enquanto berravam em coro: “toma lá a tua passadeira vermelha. Embrulha nela a desigualdade que desensinaste. Que te faça bom proveito!”

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