30.3.21

Sempre verde (short stories #306)

The Limiñanas (feat. Peter Hook), “The Gift”, in https://www.youtube.com/watch?v=A2JcmsB50ZM

(“Evergreen”, o navio encalhado no Canal de Suez que interrompeu a globalização por algum tempo)

       Que não se tenha nada por garantido. A qualquer momento, um golpe de azar dissolve-o. A madurez do adquirido é ilusória. Na altura em que se cumpre a prova dos nove, revela-se a sua fragilidade. Como até o amadurecido é efémero, abrindo brechas quando se julgava uma fortaleza à prova de sismos. Até o que é maduro se conserva verde. Tudo é verde, para sempre. O que desmente as certezas que o Homem providencial fixa na linha do tempo. O Homem providencial, ensimesmado, tende a desvalorizar a História. Considera-se à prova da História, como se fosse o exclusivo tutor da noção de progresso e o progresso o protegesse dos retrocessos. A noção de Homem providencial é contestada. Somos peças únicas à mercê das variáveis que estão fora do nosso controlo. Com o tempo e a madurez que julgamos definitivamente instalada, esquecemo-nos das variáveis que habitam fora da nossa dimensão. Esses fatores podem transtornar o que temos por garantido, interrompendo-o ou até (numa versão pior das consequências) liquidando-o. É nesta contingência que o Homem providencial não se reconhece. Não é de admirar que seja sua vítima predileta. Vítima da paradoxal condição que o subjuga: convencido arauto de um nível de progresso sem precedentes, coloca-se acima das contingências. Quando os maus efeitos das contingências se abatem, o Homem providencial atesta a sua verde condição. Está tão verde como noutras eras. Muito embora, cercado pela cegueira da sua arrogância, garanta que os seus antepassados é que estavam verdes. Não considera a hipótese de um simples grão encravar a engrenagem. Como tudo está relacionado com tudo, esse simples grão é um travão para o demais. É a prova de que tudo é verde, para sempre. Mesmo quando está maduro.

Sem comentários: