26.3.21

O guarda-rios (short stories #305)

Sault, “Wildfires”, in https://www.youtube.com/watch?v=N1_rQXOQLA8

          Tirava as medidas às margens, antes que o rio transbordasse. Era preciso meter esteios que amparassem a bordadura do rio quando ele fosse tumultuado por intempéries. O guarda-rios, infatigável, era o curador do rio. Estivera entre os operários que, de enxada na mão, salvaram o rio do estertor. Estivera entre os voluntários que livraram o rio da tralha que era o seu descapital de poluição. O empenho mereceu comenda. O guarda-rios já o era antes de ser nomeado. Hoje, está de atalaia contínua. Sete dias por semana. Diz que o rio é a sua vida. Homenageia o nome por que todos o conhecem: “hoje já viste o guarda-rios?”, ouve-se com assiduidade entre quem segue a pegada do rio agora alindado. Ninguém sabe do guarda-rios antes de ser guarda-rios. Houve quem levantasse a suspeita de ser foragido da lei: “não há fumo sem fogo.” As pessoas são naturalmente maledicentes. A sua perícia em esquadrinhar a vida dos outros é impressionante (e isto não é um elogio). Ainda bem que há quem se insurja e proteste contra a ignomínia: “que interessa isso, se o que mais nos interessa, amantes deste rio, é a água cuidada pelo nosso amigo, o senhor guarda-rios?” O guarda-rios, indiferente aos rumores, é de uma dedicação ininterrupta ao rio. Ele guarda o rio como ninguém tem o desvelo de o cuidar a ele. Umas velhas metediças cuidaram de ser namoradiças, alistando umas candidatas para cuidar do guarda-rios. Nenhuma lhe aprouve. Desinteressado, e de forma atabalhoada, desencomendava-se de tais encargos invocando, a seu favor, a sobreocupação do tempo. O guarda-rios tinha-se casado, em segredo, com o rio que era a menina dos seus olhos. E o rio era o menino dos olhos de todos os que o tinham redescoberto. Não havia preço que pagasse o guarda-rios.

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