(Da série “ciência política para amadores” – e qualquer semelhança com a realidade pode não passar de uma coincidência)
A oposição encarniçada era um distante fogacho da memória. Não os havia, nesses quadrantes, estouvados vozeadores que grasnassem contra o governo. Agora era diferente. Em pessoa, o mais alto magistrado convocava o magistério de unidade: “os tempos são severos e os desafios jogam-se a preceito. Só há lugar à unidade nacional”.
A maioria (não a do governo; das pessoas) andava apática entre a apoplexia do tempo amputado. Angustiadas com os espectros que salivavam a instalação de um apocalipse, as pessoas obedeciam ao mais alto magistrado: “ele sabe do que fala, com a autoridade intelectual da cátedra e da residência permanente nas televisões.” A oposição moderada, a que tem aspirações à alternância no governo, seguiu obedientemente a instrução presidencial. Demitiu-se de ser oposição e entregou a empreitada a um neófito radical que fede a demagogia e calculismo soez.
A oposição com aspirações foi apanhada numa armadilha. O dilema não era de somenos importância. Ora se apresentava com a carga da responsabilidade de quem aspira a ser governo em tempos vindouros, ou boicotava o esfoço de unidade nacional vertido nas palavras presidenciais. No primeiro caso, a oposição hibernava. No segundo caso, era contaminada por laivos de irresponsabilidade que se podiam jogar contra a ambição de se entronizar futuramente.
O mais alto magistrado tirou o tapete à oposição, condenando-a a um estatuto de duradoura oposição. E a oposição, acatando a doutrina presidencial, esvaziou-se e passou a ser oposição a si mesma. Doravante, será extraída certidão destes tempos inusuais e dir-se-á que tão extravagantes eles foram que até a oposição emudeceu, do silêncio terçando a autofagia. Os regentes, em contrapartida, passando entre os pingos da chuva sem ser molharem, nem tinham de olhar por cima do ombro desconfiados que a oposição estivesse a cuidar do que se esperava ser sua incumbência – ser oposição.
Os historiadores do futuro terão lucidez para determinar que a doutrina presidencial foi o dote oferecido aos regentes, banindo os laivos de dissidência do espaço público. Nesse tempo futuro, fazendo atuar o olhar retrospetivo, dir-se-á que uma peste houve que cuidou de repristinar imperativos categóricos que se julgavam perdidos na memória de uma página negra da História coletiva. Só falta perguntar, aos historiadores do futuro, se a oposição consumida na oposição a si mesma algum dia mudou de estatuto. Se houver algures um historiador do futuro, espera-se resposta – porventura em forma de carta aberta, com tanta popularidade nos tempos atuais.
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