O nevoeiro da manhã é tempero, não é um embaraço. Dizem o contrário, os convidados da tirania em que se concebem os lugares-comuns. Não ganham lugar no rossio onde se concebe a fala. O resto do dia não está por conta deles. A lucidez amanhece com os que postergam o olhar embaciado e fazem a radiografia dos versos implícitos.
Vou pelas margens do rio enquanto a claridade se debate com as insistentes gotículas do nevoeiro. Não tenho o olho do falcão para aprender os interstícios do tempo, mas desconfio que nos seus confins se azula uma temporada que não se amestra no verbo ilíquido dos desconfiados. É esta lucidez que quero deixar em legado.
Os pescadores continuam o braço-de-ferro com o tempo que parece suspenso pelas cordas do nevoeiro. Esperam por peixe que ceda às armadilhas. Esperam pela morte, que é o seu modo de vida. Conversam uns com os outros, indiferentes ao sortilégio que se congemina nas profundezas do rio. Conferem as armas que esgrimem contra os peixes que se aprestam a ser suas presas. Até a morte pode rimar com ludismo.
O estuário irrompe entre o nevoeiro. Como um lampejo de lucidez que açambarca um pedaço de geografia para contrariar o amanhecer embaciado. Os olhares sorriem. Desfazem-se do estertor plúmbeo que ditou os alvores do dia. Já não podem dizer que o dia se compunha na sua desajeitada forma – como se fosse imperativo que todos os amanheceres fossem uma aguarela fúlgida a servir-se, como manjar opíparo, aos sentidos.
Não sei da matéria-prima da estética. Não sei em que gramática se desembaraçam dos seus tabus. A lucidez não traz manual de instruções. Não é consuetudinária. Abraça-se à disposição das pessoas, volúvel, sem palavras-chave. A lotaria está pronta, em cada manhã.
Os que continuam lutuosos, à mercê de um amanhecer, não serviam para a vida em países de rigorosa invernia. Seriam o fermento dessa rigorosa invernia. Não prosperam na infértil safra de um monolítico burel que desarruma a corrupção dos sentidos. Não aprenderam outro idioma. Só sabem que a antítese de uma manhã ensolarada é sinónimo de mau tempo. Estão a léguas da lucidez que educa o olhar a aprender a estética das paisagens que não passam no crivo do bucólico. Não sabem fazer marcha-atrás nos cânones exíguos por que foram instruídos. Ficam à porta da lucidez. Da lucidez reinventada.
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