As facas longas decaem sobre a pele porosa, ameaçando tatuar cicatrizes imprescritíveis. Arrumam a paz pública a um canto, enquanto os beligerantes se preparam para a orgia demencial. Em vez de adormecerem ao canto de um sonho, amadurecem o fogo, todavia estulto, que será o barómetro das intenções.
Os povoados enquistam-se, amedrontados com o espectro de invasões. É como se os tempos estivessem de volta à Idade Média e os óculos se afivelassem pela peste pútrida que colonizou as vontades. Ninguém quer embainhar as armas. Estão prontas a ser terçadas no desprezível amordaçar dos belos instintos. Parece que uma nuvem negra cobre o céu por inteiro, como se uma noite imorredoira se instalasse e fosse sinónimo do inverno sem previsão.
As facas são longas. Dispõem a memória em letargia. As pessoas parecem esquecidas de quem são – ou pode ser exatamente o oposto, regressam à natureza corrompida, contrariando os que saltam de nenúfar em nenúfar contando as proezas da espécie em versos idílicos. Alguns, exilados no estado de beligerância, contradizem as puídas teias em que se concebe a autofagia da espécie: de que serve a construção se ela termina em destruição?
As facas são fundas feridas que se aprestam a ter inventário para memória futura. Sem modos, nem punhos de renda, que a boçalidade se entretece na boca cheia de arestas dos pretendentes à beligerância. Candidatam-se ao papel de açougueiros, passeando as suas facas ensanguentadas, ufanamente hunos. E berram, para que todos ouçam e invistam no medo, que o sangue que verte das facas são lágrimas que não chegaram a ser.
Na sala de espera, à espera da espera que se congemina em tempo fortuito, os guerreiros passam em revista os tempos em que as cerejeiras floriram. A fadiga da bonança exaspera-os. Estão sedentos de sangue. Cansados de lágrimas, o vazadouro da indulgência que extingue a fibra guerreira dos Homens – como se apenas houvesse Homens diligentes, Homens arquitetos do mundo, se os Homens se levantarem contra outros Homens.
As facas são a funda cicatriz que deixa a mnemónica da beligerância. Uma mnemónica, todavia, depreciada.
Sem comentários:
Enviar um comentário