(Na primeira pessoa de um, ainda, imberbe adolescente)
Não posso esperar pela idade para ser cidadão. Já aprendi na escola que tenho direitos que ganhei logo à nascença. Mas é quando atingir a maioridade que vou ser cidadão pleno. Mal consigo esperar!
Quero pagar impostos! Será boa sina: que à saída da universidade vou ter um emprego à espera. Quero desse salário dar o meu contributo para o prosperar da sociedade, sentir-me parte da sociedade e útil a ela. Quero ajudar na redistribuição a favor dos mais pobres. Estou ansioso por sentir que cada gesto que faça resulta num imposto, para ter a noção que o avanço da sociedade também se deve à minha participação.
Quero participar nas discussões sobre os grandes assuntos que são falados. Para oferecer as minhas propostas ao contraditório, no compromisso pelo debate aberto e sem preconceitos. Quero participar em todas as eleições, nem que seja para escolher o menos mau. Quero ter a lucidez de ajuizar as propostas que se apresentam a eleições e para decidir se quem está no poder merece continuar ou ser dele despejado. Quero, possivelmente, militar em movimentos cívicos que intervenham por causas em que me reveja. Quero ser o oposto da anorexia cívica que ouço a alguns dos mais velhos identificada como o fermento da crise que parece perpétua.
Quero ter uma informação confiável. Jornais e televisões e rádios onde trabalhem jornalistas bem informados e rigorosos, isentos, incorruptíveis, que não sejam meros braços, armados mas discretos, dos poderes. Sem uma informação confiável, não serei capaz de me desembaraçar a preceito dos deveres de cidadão.
Dispenso que os mandantes e outros atores da política enxameiem o espaço público com uma retórica cheia de viés, distorcida, semeando armadilhas para apanhar os (decerto ainda muitos) desleixados que continuarão a medrar pelo caminho. Quero estar no meu juízo por inteiro e saber que não me apõem mordaças disfarçadas, para entoar ao vento as palavras de protesto se me sentir defraudado. Quero honrar o que os professores me ensinarem e que expõe o desvio da prática adulterada.
Quero saber que ao longo da vida posso receber as contrapartidas da minha participação na sociedade. Quero ficar sossegado se ficar doente, sabendo que tenho cuidados de saúde à altura. Quero saber que os descontos que vou fazer para a segurança social serão capazes de me garantir uma reforma decente. Quero olhar para a prosperidade, em olhar atual e retrospetivo, e sentir que os impostos pagos não foram apenas um ónus.
Quero que não me passem à frente dos olhos o espantalho da ingenuidade. Para saber que vale a pena não me demitir da condição de cidadão.
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