Às cartas abertas, uma carta fechada. A injunção da publicidade é como se fôssemos obrigados a andar nus, já sem nada para esconder. Um certo modismo sugere a bravura da total exposição em público, dissolvida a reserva íntima como se a coragem quadrasse com a desocultação dos segredos, até dos que mais vergonha podem causar a quem os tutela.
(Como se a coragem fosse um valor estimável. Como se os valentes que se oferecem ao público na nudez da impudicícia não guardassem só para si uns quantos segredos, daqueles que são inconfessáveis. E, assim como assim, a quem interessam os segredos dos outros e a sua personalidade despida? Os voyeurs do avesso têm de si uma elevada estima: mostram-se como são, sem vernizes ou véus encobridores, e partem do princípio de que há outros que estão interessados em esquadrinhá-los de cima a baixo.)
Pelo contrário, uma carta lacrada. A reserva mental de guardar para o subscritor os meandros que ora o exaltam, ora o abisonham. Pois as vidas são intransmissíveis, como o são as experiências que se acantonam na reserva territorial exclusiva que é o corpo e o pensamento de uma pessoa. As cartas não precisam de ser abertas ao conhecimento exterior. As vidas dos outros têm de ser exaradas por dentro delas, sem as distrair de si com extratos das vidas que lhes são limítrofes.
A carta fechada funciona em circuito fechado. Uma certidão da intimidade que não merece ser adulterada com pública exposição. É um monólogo edificante. Através da carta fechada, pomo-nos a falar com as diversas partes que nos compõem. Não se diga que os outros não são precisos; diga-se, apenas, que nos rudimentos que se entranham no fundo do ser há demandas que só podem obter resposta através da intermediação dos outros eus que habitam dentro do eu tutelar.
Hoje, é fácil a palavra que se condensa numa carta aberta. A antítese da carta fechada não é uma censura exercida sobre os fautores das cartas abertas. Cada um é titular da palavra e sabe, acima dos outros, o que fazer com ela – reservá-la ou torná-la pública. No recurso à carta fechada, aprende-se a evitar o logro da irradiação para o exterior de nós. Muitas vezes, as controvérsias e as tresleituras acontecem porque reagimos, intempestivamente, ao chamamento dos outros. porque somos reféns do imperativo categórico do animal gregário.
O ensimesmar na carta fechada é uma reação exacerbada que se traduz em misantropia? Depende da hermenêutica dos sentidos. Somos cada vez mais centelhas que querem irradiar para fora de si, em vez de por si aprenderem a tender as pendências. Ao quereremos ser tanto para o exterior, somos cada vez menos de nós mesmos.
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