O homem sobe ao palco, pega no porco e salta, salta. “Cheira a napalm”, ouve-se em surdina. Sentia-se uma certa comoção. Ouviam-se alguns aplausos, meras palmas de prata.
O homem largou o porco e acusou-o: “as tuas palavras são intrujonas.” Os demais esboçaram uma intentona. Que ninguém duvidasse das palavras do porco. Depois de uma breve mudança de palco, o homem que estivera em animada coreografia com o porco subiu à cena, obeso (como se a obesidade do suíno tivesse sido transvasada para o homem). Na audiência, eram distribuídos bolinhos de alecrim. Um circunstante pediu um gin. A menina respondeu que não serviam álcool.
O castelo que estava em pano de fundo apareceu a ornamentar um rio. Tinham criado uma ilha de propósito para o castelo. O tempo não foi generoso para o castelo, tão puído. Numa barcaça que subia vagarosamente o rio, uma velha viúva, presa ao vestido lutuoso, oferecia o seu pranto: “Prometeu prometeu que deixaria de fazer promessas. Mas Prometeu não conseguiu prometer a promessa de não voltar a fazer promessas. Devia perder o nome.” Alguém perguntou se estava condoída pela perda do consorte. Ela respondeu com o pranto interminável, a rima de um silêncio inverosímil numa viúva convencional.
Vindo dos bastidores, um jovem boémio irrompeu pelo palco. Aturdido pelas luzes refulgentes, pareceia desorientado (ou: apenas lisérgico). Os vultos perenes que militam no açambarcamento dos espíritos livres cercaram-no. Murmuravam sílabas ininteligíveis, sobrepondo-se uns aos outros. O jovem boémio não se importunou: “não me assustam, não me assustam! Estou habituado a um longo desfile de demónios, ó burgueses de contrafação.”
Na audiência alguém se indispôs, interrompendo a função. Um homem de meia-idade estava engasgado, quase a perder o ar. Ao contrário dos filmes que usufruem de sortilégios, não havia médicos entre a audiência. O homem continuava engasgado, até que alguém, já em desespero, aplicou uma forte pancada no dorso. O homem cuspiu uma ramada de alecrim que passara pelo coador quando os bolinhos foram confecionados. Já refeito, aliviou-se do contratempo: “estava a ver que hoje ia começar a temporada dos demónios.”
Não havia médicos, nem cangalheiros, entre os presentes. Foram todos à sua vida, a função interrompida e o homem restabelecido na companhia do jovem boémio, com uma promessa que nem Prometeu ousaria alinhavar: “vamos ao mundo, meu caro, que a morte é a linhagem dos demónios. Vamos à temporada dos que se oferecem à consagração da vida.”
O homem restabelecido nem pestanejou.
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