Acontece invariavelmente quando vou ao estrangeiro e regresso a casa. Depois de uns dias longe de casa, da família e dos amigos, e da gastronomia portuguesa que é sempre recordada quando ando por outras paragens, começo a sentir a falta do ambiente a que estou acostumado. Claro que estas viagens têm as suas recompensas. Continuo a pensar que conhecer outras terras, outras gentes, outras mentalidades, outras culturas, é a melhor maneira de continuar um processo de crescimento interior que não cessa. E também não é menos óbvio que para quem é tão céptico em relação ao país onde nasceu (é o meu caso), estes dias passados no estrangeiro funcionam como um necessário oxigenar que dá alento para mais um período encafuado entre portas.
O problema é o amplexo de sensações contrastantes quando, já no aeroporto, me acerco da porta de embarque do último voo – o que tem como destino o Porto natal. Sinto-me envolvido por um paradoxo de sensações. Por um lado, sei que vou regressar para junto de quem me é querido (esses é que são o meu verdadeiro país). Por outro lado, sinto uma antecipação do país que deixei dias antes, apesar de ainda estar fisicamente distante de Portugal.
Entrar numa sala de embarque com destino ao Porto é um laboratório em ponto pequeno do país. Sente-se a atmosfera do Portugal profundo, e digo-o não porque se ouça falar português como língua dominante, quando até a uns minutos antes era uma língua ausente no país estrangeiro. O arraial aparece, quase sempre, diante dos meus olhos, seja em Londres ou em Paris. Os bigodes farfalhudos, as mulheres que falam sem canseira, os tiques dos aspirantes ao jet set nacional, de tudo um pouco.
Mulheres sexagenárias, marcadas por uma vida de sofrido trabalho, que metem conversa na sala de embarque e que ao fim de meia dúzia de minutos falam com o desembaraço e com a familiaridade de quem já se conhece desde tenra idade. Trocando confissões que acabam por ser partilhadas por quem, involuntariamente, está mesmo ali ao lado. Homens de negócios que falam entre si, não dos negócios que os levam a viajar, mas das experiências bizarras de viagens passadas, como se fossem os heróis contemporâneos de uma nova gesta de viandantes sucessora dos descobridores de tempos idos.
Um avião de regresso a Portugal nunca é um bom local para ler em paz, ou para por trabalho em dia. Um avião que regressa a Portugal é sempre uma tenda montada com um arraial tão ao gosto da populaça. Só falta correr o garrafão de cinco litros e a música pimba que alegra os espíritos. De resto já há de tudo, sobretudo um ruído incessante que vem das conversas de ocasião que ajudam a passar o tempo da viagem. Depois, ao aterrar, quantas vezes se aplaude a destreza do comandante que conseguiu, “graças a deus”, por o grande pássaro no chão sem problemas?
Ontem, mais uma vez de regresso ao Porto, passei por todas estas sensações. Agravadas pela auto-estima nacional cultivada à força a propósito do campeonato europeu de futebol e das façanhas desportivas do clube de futebol local. Até um comissário de bordo da Air France, de raízes portuguesas (a avaliar pelo sotaque arrevesado com que tentava falar português), ajudou à festa nas despedidas finais com um vitorioso “viva Portugal, viva o Porto”. Faltou pouco para o avião ir abaixo, tal o entusiasmo transbordante que replicou ao mote. Ao meu lado, alguém abanava a cabeça e sentenciava: “tenho a certeza que daqui a duas gerações já não seremos assim”.
Eu não sou tão optimista.
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