4.5.04

Mais uma armadilha do anti-tabagismo militante

Às vezes somos apanhados por imprevistos inusitados. Quando nada faz prever que a surpresa aconteça, eis que num simples estalar de dedos acabamos encurralados sem saber por onde escapar.

Estava numa aula a tentar explicar o que acontece quando o Estado impõe obstáculos às importações através de direitos aduaneiros (que a comunicação social erradamente trata por “tarifas”). Um desses efeitos é a receita que o Estado arrecada ao multiplicar o direito aduaneiro por cada unidade do bem importado. Estava nesta demonstração de como os direitos aduaneiros são vantajosos para uma política do estilo Manuela Ferreira Leite (aumento das receitas de impostos, bem entendido…), quando tentei fazer ver aos meus alunos que nestas coisas uma receita corresponde a um sacrifício noutro ponto qualquer. Perguntei-lhes: para o Estado beneficiar desta receita, quem é penalizado? Ofereci-lhes duas hipóteses: todos os contribuintes, ou apenas os consumidores do produto importado que se sujeita ao direito aduaneiro?

Para os habilitar a uma melhor compreensão do fenómeno, construí uma hipótese de trabalho. Pedi-lhes que imaginassem que o direito aduaneiro se aplicava sobre a importação de tabaco com origem nos Estados Unidos. De seguida, perguntei aos presentes quem era fumador. Observei algum incómodo nos alunos que confirmaram a condição de fumador, perante o à vontade da minoria que não era fumadora. Nessa altura tentei desanuviar o ambiente. Como sabiam que não sou fumador, talvez fosse esta a justificação do embaraço quando convidados a revelar se eram ou não fumadores.

Expliquei-lhes que embora não sendo fumador me irritam mais os anti-tabagistas empenhados em espalhar uma moral higiénica que não respeita os direitos alheios. Revelei-lhes que me causam repugnância os anúncios paternalistas que o Estado impõe nas embalagens de tabaco. Pedi à aluna sentada à minha frente (uma das que se havia confessado fumadora) para me emprestar por momentos o maço de tabaco que tinha dentro da sua carteira, para exemplificar o terrorismo intelectual contido nessas mensagens que ocupam mais de metade do espaço disponível da embalagem. Aqui fui apanhado de surpresa, perante o riso malévolo da aluna que já sabia qual a mensagem inscrita no maço de tabaco:

Fumar diminui o número de espermatozóides e provoca a infertilidade masculina”.

Li para mim, num ápice, e contive-me. Não era este o tipo de mensagem que estava à espera de encontrar. Queria exemplificar com o garrafal “fumar mata” que já algumas vezes tinha visto. A hesitação apanhou-me num embaraço ainda maior. Depois de alguns segundos de atrapalhação, em que não tenho a certeza de ter ruborizado, lá revelei aos presentes o teor da mensagem, agora já em voz alta:

Fumar diminui o número de espermatozóides e provoca a infertilidade masculina”.

Esta política de perseguição aos fumadores é pérfida. Basta ver o conteúdo da mensagem incluída naquele maço de tabaco: o seu alcance castrador, levando os homens que se amedrontem com a mensagem a temer pela sua capacidade reprodutora, ou pela sua performance sexual.

É por estes excessos que, não alinhando na fileira dos fumadores, prefiro conviver com um fumador activo do que aturar os anti-tabagistas militantes que pregam uma moralidade irritante. Há anos, o inefável Eng. Macário Correia (na altura secretário de Estado do ambiente) detonou uma cruzada contra os fumadores. Ficou então conhecido por uma tirada impagável: “dar um beijo a uma fumadora é como lamber um cinzeiro”, sentenciou. Pois eu prefiro lamber um cinzeiro do que aturar os Macários deste país.

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