Acabo agora de ouvir a notícia. Não, não foi na TSF. Por um lado, porque no sítio onde me encontro, algures perdido no meio da Europa oriental, as ondas da TSF não conseguem chegar. Por outro lado, porque à TSF não interessa veicular o tipo de notícias que a mais imparcial Euronews costuma transmitir. Eis a notícia: um jornalista do New York Times, destacado no Brasil, escreveu uma peça sobe os alegados abusos alcoólicos de Luís Inácio da Silva, presidente do Brasil e herói das esquerdas órfãs de referências após o decesso da mitologia ideológica que caiu com o muro de Berlim e a derrocada do comunismo, herói de outras esquerdas mais moderadas que não hesitam um segundo em se agarrar a novos ícones que arregimentem fidelidades para a sua causa.
O resultado da ousadia do jornalista foi o que se esperava. Em vez de haver um desmentido da presidência da república brasileira, com olímpico savoir faire, negando as propensões etílicas do grande timoneiro, o que aconteceu foi uma reacção desabrida. Foi dito (e cito de cor a notícia) que o tal jornalista “já não merecia o visto de permanência no Brasil”. Forma atenuada de relatar a expulsão do jornalista. De uma penada só, Lula prometeu levar o caso à justiça, para se ressarcir dos prejuízos morais que o desalmado jornalista lhe causou à sua imagem heroifica.
Não fiquei surpreendido. Quantos são os “grandes democratas”, vangloriados por tantas franjas às esquerdas, que na hora da verdade revelam este desrespeito pelo mais elementar direito à informação, à liberdade de expressão? Do que se conhece de Lula da Silva, do seu passado que remonta aos tempos de um frenético activista sindical vestido de vermelhas cores que se dão mal com os valores da tolerância e do respeito para com as opiniões diferentes, com este cadastro seria espantoso se ele conseguisse encaixar os relatos de alcoolismo.
Aliás, esta reacção excessiva parece corroborar a notícia. De outro modo não faria sentido o presidente brasileiro vir a terreiro revelar-se tão ofendido, ao ponto de empacotar o jornalista para o local de origem e prometer que virá outra vez a território brasileiro para sentar o rabo no banco dos réus para responder pela afronta inadmissível.
Imagina-se o desenlace. Os tribunais brasileiros, apesar de se presumir a independência em relação ao poder político, não terão liberdade de espírito para julgar com imparcialidade esta questão de enorme relevância nacional, diria mesmo mundial. Não se vê como os juízes poderão usar da necessária liberdade de espírito para concluir se, afinal, o jornalista estava a delirar quando escreveu sobre os devaneios etílicos do senhor presidente da república. É um caso que tem a solução que se adivinha. Assim se descobrem os alicerces democráticos deste grande democrata, bem como a confusão de valores que vai na sua cabeça atormentada.
Sim, porque se trata de uma cabeça atormentada. Imerso nas concessões ao tenebroso capitalismo que o têm distinguido desde que tomou posse, exposto à decepção de quem tanta esperança nele depositou, por esse mundo fora, como catalisador da mudança desejada, Lula deve andar martirizado por um conflito de consciência. Entre o que gostaria de fazer (a sua retórica de anos a fio, as promessas eleitorais) e o que está constrangido a fazer (daí as acusações de cedência ao “neo-liberalismo” que timidamente lhe começam a ser dirigidas). Talvez por isso, quem sabe se angustiado com o conflito interior que o mantém dividido entre o que gostaria de fazer e o que está obrigado a fazer, Lula ter-se-á entregado aos prazeres da bebida.
Oups! Esqueçam que escrevi aquela frase. Porque se vou ao Brasil ainda apanho com uma notificação para comparecer em tribunal por ofensas inadmissíveis a sua excelência, o senhor presidente da república federativa do Brasil…Afinal, nos heróis e nos mitos não se toca, porque tudo se lhes perdoa.
(Em Gorzów)
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