5.5.04

Sobre as torturas a presos iraquianos

Os últimos dias têm sido pródigos em notícias bombásticas sobre as torturas, humilhações e tratamentos indignos aplicados a presos iraquianos por militares norte-americanos e britânicos. Levantando uma onda de indignação que tem percorrido o mundo.

As imagens divulgadas fazem reflectir sobre a natureza humana. Fazem-me pensar que indistintamente dos códigos políticos que guiam os países (sejam eles democráticos ou com propensões ditatoriais) fervilha um gérmen de violência, de desprezo pelo próximo, que faz a raça humana ser vítima da sua natural estupidez. Sem surpresa, afinal. Em tempo de queima das fitas, basta relembrar as brincadeiras de mau gosto que a estudantada, ano após ano, numa espiral sem limites, põe em prática na recepção aos caloiros. É só percorrer o cardápio de praxes maliciosas que se congeminam, acobertadas pela “tradição universitária” que tudo justifica – mesmo as praxes mais doentias que revelam comportamentos que tocam a psicopatia.

Quando vejo as fotografias das humilhações contra presos iraquianos não deixo de meditar que o ser humano tem esta queda inata para o precipício. Para zurzir do adversário, para o achincalhar, levando-o ao rebaixamento psicológico que o enfraquece e deixa mais ainda à mercê de quem já se encontra numa posição de superioridade física. Aqui, como em tantas vezes, é sempre mais fácil bater no mais fraco. Sobretudo quando ele já está manietado e nada pode fazer. Imagino as “delícias” dos carcereiros ao praticarem estas sevícias sobre presos acorrentados, vendados, imobilizados, sem defesa.

Apesar do asco que imagens destas me causam, devo admitir, em abono dos Estados Unidos e do Reino Unido, que a revelação de tais situações só foi possível porque nestes países é difícil esconder este tipo de coisas da opinião pública. Sobretudo quando existe uma comunicação social poderosa e que cultiva deveres pedagógicos para com a sua audiência. Bem sei que a divulgação das fotografias com as humilhações perpetradas sobre os presos provoca uma onda de choque que é boa, nos tempos que correm, para o negócio das audiências que sustenta a concorrência entre os órgãos de informação.

Mas não se pode duvidar dos préstimos pedagógicos da publicação daquelas fotografias. Por um lado, estes segredos, muito incómodos para as autoridades dos dois países, passaram por cima da “razão de Estado” e chegaram ao conhecimento público. Por outro lado, os responsáveis políticos norte-americanos e britânicos vieram a público reconhecer que tais comportamentos eram inadmissíveis e que os culpados vão ser julgados. Falta saber se esta promessa não passa de retórica para aquietar as consciências incomodadas. Falta saber se os responsáveis (alguns entretanto suspensos) vão ser penalizados por estes comportamentos nada próprios da civilização mais adiantada que, daqueles lados, não se cansam de apregoar.

Seja como for, é de enaltecer que estes episódios tenham vindo a lume. Que não tenha sido possível escondê-los nos esconsos gabinetes de um qualquer militar zeloso. Não interessa saber se houve ou não esta tentativa de acobertamento. Quero apenas aplaudir as reacções oficiais de censura perante tais brincadeiras de mau gosto. Noutras paragens menos dadas ao pluralismo político, tanto do agrado daqueles que não se cansam de invectivar os Estados Unidos (e nisto estamos em harmonia, muitas vezes…), nunca se admite o espezinhamento dos direitos humanos de quem se vê privado da liberdade, quantas vezes por um simples delito de opinião.

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