Foram poucos dias em Atenas. Os suficientes para a desilusão. Atenas é uma grande metrópole, onde os efeitos da concentração populacional se fazem sentir. Mais de 40% da população grega vive em Atenas e arredores, numa grande mancha de edifícios bem visível de qualquer ponto cimeiro da cidade. A cidade está encaixada num amplo vale, cercado de montes onde a aridez é a nota dominante. Quando, do alto do monte onde os antigos gregos edificaram o Partenon, o olhar se perde no firmamento vêm-se edifícios e mais edifícios, numa vasta mancha esbranquiçada que apenas tem fim quando a planície é vencida pelas colinas que começam a empinar vertiginosamente.
Da visita a Atenas guardo algumas imagens marcantes. O trânsito caótico, como nunca antes tinha visto. Os carros seguem numa sofreguidão estonteante, como se estivessem numa frenética corrida contra o tempo, como se um segundo de atraso fosse um atalho para um precipício sem saída. As buzinas fazem-se ouvir com frequência, aqui e ali salpicadas por gritos de condutores exaltados que protestam contra os malabarismos de motociclistas endiabrados.
Ao andar pelas ruas, onde quer que fosse, sempre carros e mais carros, pequenas motas conduzidas por jovens sem capacete, polícias a fazer de sinaleiros para controlar o tráfego, apesar dos semáforos que continuavam a funcionar. O que acaba por ser pitoresco: habituamo-nos a conviver com semáforos, como sinal da inutilidade dos sinaleiros. Tínhamos sinaleiros nos cruzamentos sem semáforos que precisavam da sua sinalética para um trânsito fluído. Atenas retrata outra realidade. Os semáforos não chegam para o trânsito. Precisam da ajuda dos polícias que, por engenho da necessidade, fazem também de sinaleiros.
Com os primeiros dias de calor a causticarem as atenienses, o primeiro sinal da canícula abrasadora que se anuncia vem da natureza. Claro que as pessoas trajam roupas aligeiradas, para uma melhor sudação. Mas são os cães, os muitos cães que vagueiam pelas ruas de Atenas, a melhor ilustração do calor seco que aqui faz. Pela tarde, é vê-los extenuados pela canícula, procurando locais sombrios para repousarem. Estendem-se no chão, sabiamente procurando superfícies mais frescas para refrescar os corpos.
Uma ida a Atenas exige uma subida à Acrópole, afinal o emblema da cidade. É sobretudo na visita à Acrópole que a decepção se acentua. Por comparação com Roma, outra cidade que é um museu vivo, com tantas pedras que testemunham o passado vivido há mais de dois mil anos. A comparação é desfavorável devido ao estado de conservação dos monumentos.
Na parte baixa da Acrópole o que se vê são apenas ruínas. Um montão de pedras acumuladas sinaliza o local onde outrora repousaram edifícios imponentes, a ajuizar pelos mapas que estão espalhados pelo recinto que levam o visitante a reproduzir mentalmente a imagem do que foi o local nos seus tempos áureos. O ponto alto coincide com o Partenon, que bem no alto da colina é a imagem mais marcante da Atenas gloriosa. O monumento é apenas um retrato desgastado dos postais, com grande parte das colunas derrubada, feita num amontoado de pedras que jaz nas imediações para trabalhos de conservação. Os andaimes das obras de conservação desfeiam o monumento.
Dei comigo a pensar: como pôde a estupidez humana permitir que o tempo fosse consumindo estes monumentos. Porventura só vivendo no tempo em que estes monumentos foram votados à decadência é que permitira perceber a negligência. Uma tentativa de resposta estará no simbolismo do passado, de um passado derrotado e que não deixou boas recordações para quem venceu a civilização acabada de vergar. Terá sido assim que os romanos vilipendiaram os tesouros da civilização grega. E terá sido assim que, na debandada dos romanos, também a sua marca foi destruída.
Nesses tempos os traços do passado não eram valorizados, os testemunhos de civilizações passadas eram deixadas ao abandono, como triunfante vestígio de que novas civilizações haviam saído vitoriosas. Deitando a perder os feitos que gerações anteriores tinham legado à humanidade. Bem sei que hoje, com tanto tempo de distância, é fácil fazer este julgamento. Mais ainda por uma geração que foi educada numa cultura de paz, e não numa cultura de guerra e de antagonismo civilizacional. Mas fica um rasto de decepção ao ver como foi possível deixar arruinar tesouros tão preciosos. Como fica também o pesar pela demora dos gregos (em comparação com os italianos) a perceber a riqueza dos tesouros que os seus antepassados delapidaram, levando mais tempo a recuperar o que ainda podia ser recuperado.
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