26.5.04

Política e confiança: limitada aos partidos?

O último congresso do PSD quase passou despercebido. O povo esteve concentrado nas movimentações mediáticas de Madrid, com o “casamento real” que lá ocorreu. E também porque este congresso tinha um resultado antecipado, um vencedor adivinhado à partida.

A maior parte dos comentadores políticos teceu duras críticas à acefalia que invadiu Oliveira de Azeméis. Argumentam que um congresso partidário deve discutir ideias e projectos. Que o unanimismo se afasta da dinamização que sempre foi timbre deste partido. Não quero discutir se este congresso foi diferente ou igual, melhor ou pior do que congressos passados. O espectáculo dos congressos partidários (sejam de que partido forem) é aspecto que passa ao lado da minha atenção. O meu tempo é dedicado a coisas mais gratificantes.

Não perdi meia dúzia de minutos a espreitar de soslaio para as imagens que relatavam os acontecimentos de Oliveira de Azeméis. Só por coincidência deparei com notícias do congresso, por ter involuntariamente visto as imagens televisivas que chocaram com o meu olhar. O que me levou a reflectir algum tempo foi uma declaração que vi transcrita num jornal. Durão Barroso enfatizava um pedido aos congressistas que eram destinatários dessa alocução: “confiem em mim”, lançou à audiência. Eis uma matéria para demorada análise. Políticos e confiança, confiança e partidos políticos, ou a confiança pedida (sobretudo quando tem como remetente o primeiro-ministro) deve-se estender aos governados?

É verdade que os destinatários imediatos deste pedido teatralizado eram as pessoas que assistiam como congressistas. Mas aqui surge uma interrogação que parece não ter resposta lógica: se não se chegou a esboçar concorrência interna ao líder do PSD, o que o terá levado a atirar para cima da mesa um pedido de confiança dirigido aos membros do seu partido? Quando se pede que confiem em nós é porque tememos que os outros podem encontrar motivos para não confiar em nós. O que terá causado este súbito estrépito de insegurança que assaltou a consciência do líder do PSD? Não colhe aqui a tese de que a mensagem enviada era uma mensagem de tranquilidade. Como quem diz, “continuem a confiar em mim, vocês que em mim têm depositado a vossa confiança”. Porque, repito-o, invocar a confiança de outrem só faz sentido quando há razões para sentir que esse vínculo fiduciário foi abalado.

Os congressos partidários são, em grande medida, para consumo externo – ou seja, para que os eleitores em geral captem as mensagens que vêm de dentro dos congressos. Os partidos têm a consciência que é desta forma que fidelizam (ou afastam, quando as coisas correm mal) clientelas que depois constituem uma preciosa base eleitoral de apoio. As observações atrás feitas sobre a necessidade de convocar a confiança estendem-se à população em geral. Porque terá o primeiro-ministro enviado este sinal? Teme que vai perder as eleições para o Parlamento Europeu, receando que a oposição (e os eleitores) julguem nas urnas o desempenho do governo?

A apologia da confiança dos governados nos governantes é sinal de que um momento eleitoral se aproxima. Lamento que os laços fiduciários só sejam lembrados em vésperas de eleições. Ou seja, quando os políticos mais carecem da confiança dos eleitores. Depois do acto eleitoral, é o deserto de ideias. A confiança é deitada para trás das costas, podendo-se governar sem ter em atenção aqueles a quem se pediu um voto de confiança. E assim temos um processo político assimétrico, sem correspondência entre os deveres de quem governa e os direitos de quem é governado.

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