8.12.04

Consumismo natalício e a enxurrada de anúncios de telemóveis

Repete-se todos os anos, quando a folha do calendário deixa Novembro para trás. Aproxima-se uma época que eleva o consumismo ao expoente máximo. Já sabemos que o Natal se descaracterizou. Se no passado os porta-vozes da religiosidade fervorosa se erguiam contra o excesso de paganismo das festividades natalícias, agora são os adeptos de um Natal pagão que choram lágrimas de saudade pelos tempos idos. A descaracterização da quadra motivou a transição temporal do simbolismo do Natal: de quadra religiosa para festividade pagã, que agora deu lugar ao imaginário do consumo desenfreado.

Os moralistas insurgem-se contra a deturpação. Os ingénuos apontam o dedo acusador ao maléfico capitalismo, que na ânsia de mais ganhos promove a fobia consumista. São esses ingénuos que condenam os excessos de consumo, que protestam contra a materialização das relações humanas: tudo gira em torno dos presentes que temos que dar a familiares e amigos, mais aqueles presentes que se juntam por conveniência pessoal. Prendas e mais prendas – assim se resume o Natal contemporâneo.

É este o contexto que, a cada ano que passa, traz uma enxurrada de publicidade para os ecrãs da televisão. Se por acaso apanhamos a televisão ligada no horário nobre das crianças (manhãs aos fins-de-semana), o tempo dedicado à publicidade dos mais variados brinquedos é asfixiante. Na passerelle desfilam brinquedos e mais brinquedos: desde as bonecas para as meninas, passando pelos grotescos bonecos que exibem a parafernália de material bélico que vai educando as criancinhas numa cultura de agressividade latente. Se a televisão está ligada em horas mais tardias, a publicidade tem outros destinatários: os adultos, com preferências diferentes. Os perfumes tinham, até há alguns anos, um lugar de destaque. Lembro-me, quando era mais novo e frequentava transportes públicos, que a seguir ao Natal o ambiente dentro dos autocarros era mais perfumado. Sinal de que as águas de colónias tinham um lugar importante nas trocas de presentes. As pessoas, orgulhosas na exibição das prendas natalícias, pavoneavam-se nos autocarros exalando cheiros diversos.

Nos dias que correm a primazia começa a ser ocupada pelos telemóveis. Dando razão ao falecido Sousa Franco, que enquanto ministro das finanças descobriu um novo indicador de desenvolvimento dos países (o número de telemóveis per capita!), somos invadidos por anúncios publicitários das três operadoras de telemóveis. Pude observar, no intervalo de um filme, que a mesma operadora apresentou três ou quatro spots publicitários. Como a tecnologia tem avançado a uma velocidade vertiginosa, o momento é o de atrair os consumidores para os benefícios das mais recentes tecnologias de comunicação – os chamados telemóveis da nova geração (3G).

Não vou engrossar as fileiras dos exércitos da desgraça que se voltam energicamente contra os desperdícios de recursos a que, na sua maneira de ver, estes requintes da tecnologia obrigam. Não é pela senda do fado da desgraça, ou da “perversão de valores”, que olho para esta vaga de consumismo. Pode ser um consumismo estéril, tal a fobia de muitas pessoas: para elas é imperativo andar com um aparelho que seja o último grito da tecnologia. Não dou para esse peditório, porque o condicionamento da vontade individual que esses arautos da desgraça querem impor é inadmissível.

Vejo nesta vaga comunicacional uma libertação do indivíduo. Ao contrário do que dirão os críticos – prontos a demonstrar que os consumidores ficam presos nas garras das operadoras, que apresentam aparelhos irresistíveis, mais uma campanha publicitária agressiva que manieta a sua liberdade de escolha – esta “moda” só tem efeitos positivos. Se descontar o facto de cerca de 20% dos clientes se atrasarem no pagamento das facturas dos telemóveis (mas esse factor é alheio às operadoras; é apenas o produto da ânsia e do descontrolo financeiro dos consumidores), o panorama é brilhante. Temos que estar agradecidos ao avanço da tecnologia, que hoje permite às pessoas estarem contactáveis em qualquer lugar, a qualquer hora. Os encómios vão mais longe: com os avanços da tecnologia é possível enviar fotografias para amigos, testemunhar um momento insólito, partilhar um acontecimento marcante. Com o advento da teleconferência (imagem ao vivo a acompanhar a chamada telefónica), as possibilidades de estreitar a convivência são ainda maiores.

Numa era em que o ser humano é acusado de cultivar uma crescente despersonalização, o império dos telemóveis quebra essa corrente. Aproxima pessoas que estão longe, põe em contacto pessoas que necessitam de lançar o dedo a quem, do outro lado, atende o telemóvel. Diagnóstico: é o capitalismo, de braço dado com a inovação tecnológica, que aproxima as pessoas, que contribui para um espaço mais humanizado. Ou de como, mais uma vez, o capitalismo arrepia caminho para a evolução da humanidade.

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