Está situado em Matosinhos, no final da circunvalação, quando a estrada desagua numa rotunda que a separa do mar. Há um par de meses plantaram dois enormes pilares de metal, um de cada lado da rotunda. Durante algum tempo a incógnita pairou no ar: para que serviriam aqueles pilares? Sempre desconfiado destas iniciativas de políticos com queda para a megalomania, não augurei nada de bom.
Tempo mais tarde, o produto final era dado a conhecer com toda a sua resplandecência. Uma rede gigantesca dependurada, presa ao alto das hastes dos pilares. Ambas as peças – pilares e rede – pintadas em sucessivas faixas de vermelho e branco. A rede tem, na sua parte superior, uma boca larga, afunilando à medida que se aproxima do solo. Ondula com os movimentos que lhe são trazidos pelo vento. Não é uma ode à boa estética.
Todos os dias deparo com este esboço de monumento e fico perplexo com o possível significado que os seus fautores lhe quiseram dar. Desconheço se há explicação oficial para a obra. Não li notícia sobre a sua inauguração, onde seria de esperar que os autarcas locais tivessem fornecido explicação para o nascimento de insólito monumento. Só me posso deitar a adivinhar. Confesso que esse é um exercício difícil. Por mais voltas que desse à cabeça, a cada dia que me cruzava com o monumento não conseguia chegar a conclusões plausíveis.
Mas eis que se fez luz. Acho que compreendi a mensagem que o monumento quer deixar para os anos vindouros. Ao reparar com mais atenção na forma da rede que desce do alto dos pilares, lembrei-me do poço da morte que costumava ser espectáculo circense. No poço da morte, dois motociclistas kamikazes desafiam as leis da gravidade, fazendo piruetas ensandecidas nas paredes inclinadas de um funil de madeira. Aquela rede tem as formas parecidas com o funil onde os artistas do poço da morte faziam as suas tropelias. Que é o que o autarca de Matosinhos se habitou a fazer ao longo dos anos infindáveis que leva ao leme da edilidade.
Que saiba, o espectáculo do poço da morte já não tem a mesma assiduidade do passado. Sinal dos tempos. Também será sinal de um tempo que não se repete para o “senhor de Matosinhos”. Adivinhando que o seu tempo chegou ao final da linha, terá querido perpetuar a sua marca com este monumento que regista o dedo indelével da sua passagem à frente dos destinos da cidade. Já nem discuto a exaustão do erário público que a obra representa. Decerto não havia outras prioridades – nem que fossem as tão queridas, para gente desta cor política, “preocupações sociais” – onde utilizar os recursos municipais que, para os autarcas, são sempre escassos.
Afinal a obra encaixa-se no perfil do homenageado. Talvez sem dar conta do que encomendou, o edil acabou por se retratar no monumento que mandou edificar. Vista de cima, a rede é um convite ao abismo. A sua boca de grandes dimensões afunila quando a rede desce a caminho do solo. Como se fosse um enorme sorvedouro, que suga até ao tutano. Não terá sido isto que o autarca em causa andou a fazer durante anos a fio?
O monumento encerra um outro significado. Quem olha para o cimo vê alguma grandeza, detectável pelas dimensões generosas da obra. Quando os olhos percorrem a rede em direcção ao chão, a dimensão esgota-se num decepcionante nada. Nisto o monumento será a imagem do cadastro do edil: entradas de leão, saídas de sendeiro. Não que a sua reputação nacional fosse imaculada. Mesmo dentro do seu partido, as manhas já tinham sido descobertas há muito tempo. Não estava entre as personalidades recomendáveis para dignificar a imagem exterior dos socialistas. Tratava-se de um fenómeno localizado, com a sua credibilidade concentrada na região que o viu fazer política autárquica a partidária.
Os últimos anos testemunham a queda no abismo. Outrora dominava a distrital dos socialistas, que entretanto perdeu. Outrora foi o senhor sem contestação da concelhia e do município, que se confundiam com a sua pessoa. Nem isto hoje consegue dominar. É a imagem do monumento, quando se olha na sua queda vertiginosa em direcção do solo. Nunca a obra de um autarca foi tão bem retratada! Com outra nota curiosa: o outro monumento à inutilidade (o famoso edifício transparente) agora já não está órfão. A menos de cem metros jaz um seu irmão, esta elipse vermelha e branca que espeta no solo a decadência de um dinossauro da política autárquica prestes a passar à história, sem glória, imerso na peixeirada (nunca a palavra se utilizou com tanta propriedade…) da lota que ceifou a vida de Sousa Franco.
1 comentário:
Posso tentar deixar uma ajuda..uma homenagem às gentes do mar de Matosinhos.Poderei também deixar o testemunho,de que tal obra de arte, me parece ter um efeito aprazível.É inteligente,pos aproveita o vento que tanto sopra pelas bandas,e talvez para isso tenha sido pensada.Depois parece-me que resulta bastante bem esteticamente.A notar pela tristeza que as rotundas do nosso país demonstram,esta parece me ter sido a única(exceptuando obviamente as gigantes do Marquês em Lisboa,e a da Boavista no Porto)que conseguiu num curto espaço,ter efeito estético.
Mas a arte,compreendida ou não,oferece-nos a independência de gostar.Ou não.Ou até de a chamar de decadência...
Nuno Vieira xxxy@sapo.pt
Enviar um comentário