Há momentos em que somos apanhados no meio de uma encruzilhada, sem saber por onde ir. É o que acontece com as deferências que os homens, num rasgo de cavalheirismo, dedicam às senhoras. Deixamo-las passar à frente quando uma porta se entreabre. Damos-lhe primazia em tantas outras coisas, educados no hábito de dar precedência às senhoras. É uma espécie de trato social que ainda se conserva, apesar das distorções que sofre. Não apenas por parte de espécimes do sexo masculino que fazem tábua rasa destes costumes. Também por espécimes do sexo oposto que não se cansam de erguer a sua voz contra a discriminação sexual.
Não vou discutir se a conservação destes hábitos é salutar. O relativismo impede-me de entrar a fundo na discussão. Envolve múltiplos aspectos que iriam prolongar o texto para além do razoável. Apenas interessa reconhecer o direito de cada pessoa respeitar ou não o hábito de estender a passadeira vermelha diante dos pés de uma senhora. Os que forem mais individualistas, aqueles que prestarem tributo à tradição islâmica de relegar as mulheres para um estatuto de subalternidade, esses estão no seu direito de espezinhar o costume que ainda vegeta nas relações sociais.
Pior são aquelas que engrossam as fileiras do feminismo militante. Elas, sempre prontas a brandir a bandeira da “discriminação positiva” para que os seus direitos se possam nivelar pelos direitos do sexo masculino, encontram-se na linha da frente contra exibições de cavalheirismo. Protestam, indignadas, que o cavalheirismo é uma forma de perpetuar o marialvismo dominante, de estender no tempo a desigualdade entre homens e mulheres. As senhoras que defendem com unhas e dentes uma pretensa igualdade de sexos trepam às paredes quando um homem, na sua maneira de ser cortês, abre alas para a passagem de suas excelências. Sentem-se ofendidas e recusam a consideração. E, como já me sucedeu, disparam, com maus modos, a sua indignação.
As fundamentalistas da causa feminista ignoram que a cortesia masculina é uma forma de aceitar a discriminação positiva que elas reclamam. Se os homens dão passagem às mulheres quando uma porta se abre à sua frente; se faz parte do estabelecido pensar-se que por detrás de um grande homem está sempre uma grande mulher; se é aceitável que as mulheres são o ponto de equilíbrio que traz as compensações necessárias ao homem – tudo isto revela que as mulheres estão, pelo menos, no mesmo patamar do homem. Para não concluir, sem exageros, que até estarão acima do homem, tal a influência que sobre ele exerce, tal a sublime consideração em relação às mulheres.
Quando as feministas convictas se abespinham porque um homem as deixou passar à sua frente, mostram ingratidão e atropelam o cimento cultural do desgraçado que de seguida vai ouvir das boas por ter ousado ser cavalheiro. É o fruto do fundamentalismo: pensar que se pode ver o mundo apenas de acordo com os parâmetros que conformam a maneira de ser dos intolerantes, desprezando outras formas de ver as mesmas coisas. É um autismo militante que as deixa presas à rigidez dos seus quadros mentais. E que as impede de perceberem que aquilo que tanto criticam (as deferências masculinas) simbolizam a discriminação positiva que defendem aguerridamente.
A falta de bom senso leva a desmazelos destes. Sem se darem conta, procuram ver no cavalheirismo a negação das igualdades de direitos entre homem e mulher. Porque convencionaram que os cavalheiros são os marialvas do passado que sempre menosprezaram os direitos das mulheres. Falta-lhes discernimento para verem que nem todos os cavalheiros são marialvas. Se fizessem um esforço viam que o cavalheirismo é apenas o produto de certas normas de educação; seria bastante para não resvalarem para uma grotesca falta de educação que emerge da cegueira dos ideais que prosseguem.
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