Olho para o histórico dos textos do blog. Para minha satisfação, vejo que não escrevo sobre política há vários dias. E quero prometer a mim mesmo que depois deste texto quero um período de nojo, um luto necessário para bem da minha sanidade mental. Este exórdio é um manifesto do riso cínico que se instalou desde que o nível da paisagem política desceu para além do imaginável, depois do impensável engenheiro Guterres.
A coisa nem pode ser levada a sério. Sob pena do estertor da tristeza cobrir de cinzento um panorama que de si não é dado a receber de braços abertos as cores brilhantes do sol. Uns, lá para o norte da Europa, queixam-se das poucas horas de sol que têm. Chegam aqui ao sul e extasiam-se com o sol fantástico que faz desta uma terra climaticamente abençoada. Mas os nativos da terra soalheira insistem em disparar no próprio pé. Permanecem emudecidos, agrilhoados a um cinzentismo que ofusca o esplendor da luz solar que devia fazer de nós um povo mais risonho.
Ao contrário, reina a auto-comiseração colectiva. Há séculos que vivemos neste estado de torpor colectivo. Diria que é o devir nacional, o que nos separa de outros povos tão latinos como nós, mas tão diferentes na alegria de viver. Daí o fado e outras coisas que cultivam a beleza da dor humana. Daí que o panorama político tenha vindo numa trajectória descendente. De desgraça em desgraça, afunda-se a cova onde estamos. E a coisa promete não ficar por aqui, se forem confirmadas as sondagens.
É nestas alturas que vejo a União Europeia como a nossa salvadora. A desdita política doméstica pode trazer à superfície os episódios mais grotescos, as cenas mais lamentáveis. Portugal continua a rolar, não obstante. Porque as grandes decisões já não são tomadas em Lisboa, no Terreiro do Paço ou em qualquer outro local onde estejam albergados ministérios. Essas são as decisões tomadas em conjunto pelos países que fazem parte da União Europeia. É, de forma indirecta, a importação de políticos que um amigo meu sugeria como a única solução para o disparate nacional em que estamos mergulhados.
O panorama não é tão inditoso como parece. Diria tratar-se de uma tragicomédia. Sendo agridoce, há que saber separar os sabores e extrair a essência de cada uma das parcelas. Quanto à tragédia, melhor será não explorar o tema. É a sina: um povo sorumbático e descontente com o que somos, com o que construímos. Tragédia é a apetência para a mediocridade. É sermos coniventes com a exposição mediática de criaturas que, por não saberem fazer mais nada na vida, se entregam nos braços da política. O que diz muito de como vai a coisa política entre portas (versão ainda mais radical do messianismo do professor Cavaco; porque ele também lá esteve, da má imagem não se consegue livrar – com a excepção de que conseguiu fazer outras coisas úteis fora da política…).
Agora andamos com a pré-campanha. Martírio que há-de durar semanas a fio, com o chorrilho de disparates, com as promessas que em campanha nunca são vãs, mesmo que ao observador mais desatento elas o sejam, claras como a água. Ataques pessoais, manobras que iludem o eleitorado – vale de tudo um pouco. E dois figurões, candidatos ao mesmo cargo, digladiam-se num duelo de irmãos. Um quer-se manter agarrado à cadeira do poder, desfiando uma teatralização pródiga em actos de vitimização. O outro, ideias ocas, a mesma pose fabricada, qual pacotilha que embeleza produtos inanes, vai herdar o poder pela inépcia do irmão. Sem ideias que se vejam, rodeado pela chusma que faz do partido que lidera (nas sábias palavras de um venerando colega da universidade) a “nata da merda”.
Visto de cima, como se planasse sobre o território, o panorama parece pouco simpático. Ora o segredo é conseguir rir com os nossos males. Não é mero expediente, como se tentasse passar uma esponja, fazendo de conta que batemos no fundo (mas será desta que batemos no fundo?). É genuíno: é saber ser cínico e moldar a tristeza alheia como causa da boa disposição de quem se ri a bandeiras despregadas. A sério, nunca me ri tanto com a política nacional!
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