A Suzi, a cadela da casa, tem uns jornais estendidos no chão de uma das varandas. Os jornais servem para que ela liberte as urinas que não vão a tempo de ser despejadas nos passeios higiénicos que fazemos nas redondezas do prédio. Em tempos, a minha cadela tinha o luxo de urinar no Financial Times. Era, por assim dizer, um chichi com elevado teor de alta finança. Entretanto o Financial Times deixou de jazer, abandonado, pelos cantos da universidade. Agora a sua vez foi tomada pelo Mundo Universitário – um jornal de divulgação das actividades extra-académicas dos estudantes universitários. A nossa empregada encarrega-se de trazer resmas destes jornais para a Suzi os emporcalhar com a sua urina. Triste fado, o do mundo universitário que temos…
Nos últimos dias, quando vou à lavandaria e os olhos se cruzam com o chão, dou de caras com as mesmas páginas do Mundo Universitário. Quando se desdobram os jornais para fazer o urinol de substituição da Suzi, na maior parte das vezes abrem-se os jornais nas páginas centrais. É aí que, na última edição do Mundo Universitário, aparecem fotografias tiradas a jovens universitários em pleno divertimento nocturno. Pelo que pude reparar, é uma página habitual do pasquim. E como está nas páginas centrais, a secção deve ser um sucesso. As jovens criaturas que cirandam pelo meio nocturno estão sempre a jeito para a fotografia, ansiando que a sua seja uma das escolhidas para a selecção da próxima edição do jornaleco. É o estigma do beautiful people em todo o seu esplendor.
A mania do beautiful people é uma degenerescência do pretenso jet set nacional. Há as pessoas bonitas, aquelas que com a sua presença embelezam sempre uma festarola. As carinhas larocas de meninas que acabaram de ser imberbes e que preenchem com cores efusivas as páginas de jornais e revistas cor-de-rosa. Há as personagens inevitáveis, que já são património genético da propalada “vida social” do burgo. São os inspiradores de uma nova leva de aspirantes que querem singrar no meio. Surgem, empoleirados, sorriso rasgado de orelha a orelha, tentando subir mais um degrau que os levará ao reconhecimento público. Contentam-se com pouco – que para eles e elas será a aspiração máxima que a sua vida pequenina pode ambicionar: aparecer, aparecer, aparecer. Debaixo das luzes da ribalta. Sempre como exemplares de um paradigma da vacuidade doméstica: a gente bonita.
Às vezes ouço: “hoje gostava de sair para ver gente bonita”. A reacção espontânea que se apodera de mim é ficar em casa, não querer aturar as cabeças ocas da gente bonita. Sem contar que fico ofendido: então não se dá o caso que a cara-metade, ao anunciar que gostava de espairecer a mente dando uma vista de olhos pela “gente bonita”, dá a entender que a outra metade da cara dela (que sou eu) não é uma pessoa bonita? Atenção à subtileza: uma pessoa bonita não é a gente bonita que enxameia o inefável mundo social que emprenha as revistas cor-de-rosa. A diferença desnuda-se à vista desarmada: a gente bonita é um produto que não passa da superficialidade do embrulho. Raspado o verniz que o encanta, é o deserto de ideias. Nem sequer se pode dizer que são bonitos por fora e feios por dentro. Na sua maioria, nem sequer têm essa capacidade para serem feios por dentro. São apenas nulidades.
Este é um local curioso para se viver. Olhando para as tiragens dos órgãos de comunicação social, o segmento das revistas cor-de-rosa anda nos píncaros. Temos uma população que consome com avidez as tricas e baldrocas reportadas nessas revistas. É uma população sequiosa de saber as últimas da vida pessoal de uma certa vedeta, como houvesse a obrigação de partilhar a vida desta pessoa. E temos muita gente que devora as páginas destas revistas na esperança de que, finalmente, a sua fotografia apareça. É o êxtase, a consumação final de um projecto de vida. Para dizer a amigos e família, até à exaustão, que na edição 467 apareceu na revista.
Não sei se será mau feitio, mas apetece-me dizer, perante as evidências: com este universo de beautiful people, eu cá prefiro os feios, porcos e maus!
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