Uma meta ultrapassada. Um objectivo de vida que fica para trás (um, entre os que vão desfilando ao longo da vida). Anos de trabalho, canseiras, avanços e recuos, angústia ao sentir que tinha chegado a um ponto sem retorno. A passagem do tempo era boa conselheira: a paciência destruía os obstáculos, deixava mais cabos dobrados e mais etapas pela frente para vencer. Foram quatro anos que pareciam intermináveis. Até à etapa final, a comunicação de que o grau estava conferido.
O alívio. Doravante, a necessidade de desviar a atenção para outras coisas que trazem mais recompensas. Para algo que não me exponha perante as debilidades de um trabalho, quando suponho que as críticas partem da incompreensão. Saio da etapa final com a noção de que quero que isto signifique um ponto de viragem, não uma linha de continuidade.
Para muitos que andam na profissão, a meta ontem alcançada representa um ponto intermédio. É como se fosse o último degrau que leva a um patamar, sabendo que para cima há outros patamares que espreitam em jeito de desafio. Comigo a reacção é diferente. Sinto-me cansado da investigação. Este blog é o sinal vivo desse cansaço que já dura há algum tempo. Uma válvula de escape, a necessidade de buscar na escrita um refúgio para os caminhos enviesados da investigação, para a aridez que via fecundar à medida que ela avançava. Mesmo estando a pesquisar um tema do meu agrado, olhava para o resultado e sentia-o abstracto, desligado da realidade, um produto afastado do interesse comum. Pela primeira vez, concordei com as acusações de que a universidade vive de costas voltadas para o mundo real. Senti-o com a minha própria investigação!
Depois há o efémero. Ao ler a informação de que o grau estava atribuído, não senti uma irreprimível vontade de saltar da cadeira, de soltar um grito de contentamento. Estranhamente, fiquei trémulo. Apático, como se estivesse anestesiado pela boa nova que acabava de receber. O alívio sobrepôs-se ao contentamento. E se notei algum regozijo, esgotou-se ao fim de breves minutos. Estranha sensação. Receber a notícia esperada, pela qual tanto suor foi derramado, tantos sacrifícios foram feitos; mas recebê-la inerte de emoções, quase indiferente. A meta atingida, o objectivo por fim agarrado com ambas as mãos, e parece que ele deixou de fazer sentido. Sinto-me como se estivesse amordaçado pela ressaca de uma noite de álcool abundante: sem compreender o bem-estar da noite anterior, apenas sentido o mal-estar da ressaca torturante no dia seguinte.
Já não é a primeira vez que este estranho sentimento aflora. Também no passado a felicidade de outros projectos de vida se consumiu de forma instantânea. Não chegava a haver o momento para a libertação das emoções. O momento fugaz em que a notícia esperada era anunciada levava a descarregar a pressão acumulada. Esses grandes projectos de vida fazem mais sentido quando são levados durante os preparativos. Eles fazem mais sentido quando se vai desbravando o terreno que permite atingir o objectivo. Uma vez lá chegado, ele deixa de fazer o sentido que supunha que faria durante o período em que lutei contra mim mesmo para lá chegar. Instantes fugazes, regalias que se esgotam num precioso mas ténue momento. Depois fica todo o tempo do mundo por cumprir.
Já antes senti como ao chegar a uma destas metas significativas da vida ela parecia não ter o significado esperado. Talvez por saber que o objectivo estava consumado e que a sua comemoração interior não me preenchia. E, sobretudo, por perceber que atingida uma meta outras ficam por traçar para o futuro. Ou a vida deixa de ter sentido, remoendo a existência como se o vazio que preenche o horizonte fosse o grande obstáculo a ultrapassar. Depois de um projecto, outro se segue – ou o oxigénio da vida esgota-se com a vitória efémera de um projecto acabado.
Ainda me falta perceber se é nisto que se consome a essência da vida, ou se é apenas um caminho para andar distraído com o que menos interessa.
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