20.4.07

Já não há políticos de carne e osso?


Por todo o lado, só políticos de cera. Parecem saídos do museu da Madame Tussauds. Os bonecos de cera, autómatos que obedecem a impulsos gravados pelos fazedores de imagem, debitam banalidades e encenam sinais e mais sinais. Levam as pessoas no engodo, distraídas com aparências e iludidas: desconhecem que é por baixo da epiderme estaladiça dos políticos que vem a sua têmpera.

A democracia ressente-se do ilusionismo impante. Não é possível manter a arte do engano por muito tempo, a muita gente. Ainda bem que o ser humano é racional. Ainda bem que a pessoa vai despertando da letargia em que é mergulhada pelo império dos políticos da soberba. E ainda bem que à medida que os olhos afastam a neblina se instala o divórcio entre os representados e os representantes. O preço a pagar é elevado: das extremidades emergem movimentos radicais que não escondem a repugnância pela diferença de ideias. Por vezes, é necessário recomeçar do nada.

Há quem desconfie dos políticos embalsamados que gravitam na órbita do poder. Reagem desviando o voto para os que cultivam o extremismo político. Depois acusam-se os extremistas de variadas coisas. Não é conveniente denunciar os verdadeiros culpados, os que passam pelo tempo com um sorriso dentífrico e palavras escolhidas a dedo, no discurso enfático que arrebata exaltados apoios entre os que se colam por oportunismo e os que consentem pela ausência de alternativa. Este é o estado vegetativo do regime. Não há crise económica tão aterradora como esta crise do regime que passa por nós sem dela darmos conta. É um dos efeitos da anestesia geral que nos remete para um dormente estado.

Não sei se, sinal dos tempos, as pessoas dão valor ao embrulho e não querem saber da substância. Nem sequer sei qual é a origem do problema: se os cidadãos mudaram de hábitos e isso levou à transformação dos políticos; ou se, pelo contrário, estes se insinuaram pela imagem e dobraram os hábitos das pessoas. Qualquer que seja a hipótese, há culpas terríveis a endossar aos políticos. Mesmo que tenham apenas reagido à abúlica forma de ser dos eleitores, exigia-se que os instruíssem para o contrário. Se houve acomodação da classe política, ela revela um preocupante oportunismo. Todos – eleitos e eleitores – resvalaram para o amesquinhamento da democracia.

Que é uma democracia de embuste. Escolhemos pelo voto? Decerto. Escolhemos em consciência, sem artimanhas que condicionam a escolha? Cada vez menos. O que conta é a imagem fabricada dos candidatos. A báscula oscila para aqueles que conseguem disfarçar o pacote de promessas. O que conta é que as promessas não soem a impossibilidade. Difícil é discernir entre as promessas miríficas e aquelas que são declaradamente a venda de banha da cobra. Pelo caminho, uma sórdida arte de sedução do eleitorado, convidado a escolher os candidatos por aquilo que eles mostram e não pelo que são, pelas ideias que cada vez menos ostentam.

O que vale é a imagem retocada de políticos envelhecidos que aparecem miraculosamente despidos de rugas e cabelos brancos. Ou políticos enviados para médicos que cuidam da estética facial, para que a falácia não seja desmontada com a comparação entre a fotografia e a realidade. E candidatas fabricadas pela simpatia e pela beleza, rejuvenescidas por múltiplos liftings e operações de estética facial. E o ar modernaço de primeiros-ministros, que até fazem jogging (mas só no estrangeiro, que o jogging no meio dos nativos é desaconselhável – não há que misturar o timoneiro com a maralha…). E as carradas de artificialismo de candidatos à liderança de partidos, que no afã de recuperarem o trono retocam imagem (camisas fartamente desabotoadas conferem uma imagem fresca e mais jovem) e encenam actos que soam à perfídia da falsidade, como cumprimentar o adversário num debate televisionado, ainda não tinha o programa encerrado. A ditadura da imagem vai de uma ponta à outra. Até os da extrema-esquerda, que aparentam desleixo na forma como se cuidam. Um desleixo estudado, ou alguém acredita que a desaprovação de gravatas e o ar deslavado dos curadores da extrema-esquerda não é um sinal de chamamento?

Oxalá os voluntários da política fossem gente de carne e osso, pessoas como nós, que erram e mentem e admitem que mentem, e se demitem quando a mentira ultrapassa o aceitável. Políticos que não estivessem apegados ao poder. Deviam ser obrigados a apresentar credenciais fora da política, para não termos que suportar os profissionais da política que só têm curriculum em sinecuras políticas, proporcionadas por uma paciente e proveitosa ascensão na hierarquia partidária. O que há é o seu contrário. Políticos sem espessura, sem verticalidade. Políticos catedráticos na vã arte de divulgar imagem sem que a ela venha adicionado lastro.

Nas carradas de cera que retiram a carga humana a estes políticos está uma forte razão para andar distante das mesas de voto.

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