A chamada “pequena criminalidade” é uma praga. Quem pode afiançar que nunca foi vítima de um assalto – na via pública (com ou sem ameaça de força física), à residência, ou no habitual vidro partido do automóvel para retirar auto-radio e outros pertences valiosos? Defrontam-se dois lados da barricada: os furiosos militaristas, descontentes com a insegurança que grassa nas cidades, reivindicando mais polícia (e mais atenta), mais justiça (e mais eficaz), penas mais duras para os pequenos meliantes que vão coleccionado registos no cadastro que não dão origem a uma temporada de acalmia por trás das grades; e os cultores da criminologia que condescendem com este tipo de crime, porque consideram que as energias das polícias e dos tribunais devem ser usadas para crimes mais graves.
Os seguidores dos condutores de táxi – fautores de teses peregrinas quando alguém é obrigado a ouvir o que têm a dizer acerca da pequena criminalidade – exageram quando preconizam mão de ferro para os intérpretes de pequenos assaltos. Argumentam com o adágio popular: “para grandes males, grandes remédios”. Descontentes com a vaga de pequena criminalidade, de como se generalizou e faz parte do quotidiano das pessoas, contrariam o rótulo usado. Uma sequência infindável de pequenos delitos é uma chaga social, no seu entender. Sendo um grande mal, fermentando a insegurança que traz um aperto do coração nas pessoas, os cultores da mão pesada defendem perseguição implacável aos pequenos delinquentes, penas duras para quem resvalar para este género de criminalidade.
Também não subscrevo a complacência dos cultores da criminologia. Há que definir prioridades no combate ao crime? É justo que existam. Alegam a escassez de meios e a necessidade de os concentrar na criminalidade violenta, na criminalidade de colarinho branco. São os crimes que atemorizam a sociedade – há que não esquecê-lo, nada mais que uma abstracção. Os adeptos da criminologia acrescentam a condescendência que os faz olhar para o lado quando a chaga da pequena criminalidade é discutida. Há sempre uma exclusão social, ou uma infância atormentada, ou um desvio de personalidade imputado à iníqua sociedade, que explicam a delinquência. Causas que explicam e legitimam a não perseguição destes crimes.
Nem de um lado da barricada, nem do outro. Acho deploráveis os instintos que comandam a reacção militarista dos primeiros. Temo que seja a porta entreaberta para outras acções violentas, desproporcionadas. Que seja o pretexto para mais Estado policial, como se já não bastasse o que nos cerca. Porém, não consigo encontrar o mais pequeno vestígio de complacência com quem usa e reitera da pequena criminalidade. Não me comovem as explicações sociológicas que visam obter o perdão para estes desgraçados da sociedade. Talvez a insensibilidade se deva à tarimba como vítima destes pequenos crimes. Seja como for, acho que tudo perde o sentido quando a vítima passa a algoz e o criminoso aparece desenhado como o santo que até a auréola carrega.
Lembrei-me de uma solução para que esta criminalidade entre nos carris do tolerável. Neste género de crimes, as investigações estão condenadas ao arquivamento. A “falta de provas” é o sintoma de que os investigadores assobiam para o lado e não se querem aborrecer com um processo que envolve umas “migalhas”. É a mania das grandezas, versão policial. Já que as preocupações sociais continuam a ditar a agenda, já que somos instruídos para ter comiseração dos excluídos que entram na senda do crime, o Estado (que somos todos nós, vítimas e algozes) devia ser sensível à retórica que prega. As autoridades não deviam padecer da enviesada análise que confere tratos de polé ao criminoso e desprotege a vítima. Que assuma as suas responsabilidades: altere as leis fiscais e permita que as vítimas de pequena criminalidade deduzam os danos causados no seu IRS.
Tudo seria detalhadamente legislado, para impedir simulações bem engendradas de crimes. Não haveria buracos da lei a contemplar a compensação de falsas vítimas. Seria imprescindível a denúncia feita na polícia (mais emprego, portanto), com inventariação exaustiva dos bens furtados e dos danos causados. Já que tanto se fala de generosidade destinada aos carenciados, já que o valor da solidariedade é proclamado de forma tão enfática, e já que o Estado (que somos todos nós) tem o condão de deixar as vítimas de assaltos na penúria por falta de compensação, que sejam os impostos recolhidos (e pagos) por todos nós a exibir a tão esperada solidariedade colectiva.
Pela parte que me toca, se soubesse da possibilidade de abater aos meus impostos os prejuízos causados por assaltos, veria nisso um acto de generosidade compulsiva premiado com um crédito fiscal. Tanta vozearia com o valor da generosidade, tanta teoria rebuscada convocando a comiseração necessária dos meliantes, de uma penada eis como se conciliavam valores aparentemente desavindos. É que já estou cansado de ser generoso com pessoas que me escolheram como seu benfeitor, sem que eu fosse tido e achado no compulsivo acto de generosidade.
Os seguidores dos condutores de táxi – fautores de teses peregrinas quando alguém é obrigado a ouvir o que têm a dizer acerca da pequena criminalidade – exageram quando preconizam mão de ferro para os intérpretes de pequenos assaltos. Argumentam com o adágio popular: “para grandes males, grandes remédios”. Descontentes com a vaga de pequena criminalidade, de como se generalizou e faz parte do quotidiano das pessoas, contrariam o rótulo usado. Uma sequência infindável de pequenos delitos é uma chaga social, no seu entender. Sendo um grande mal, fermentando a insegurança que traz um aperto do coração nas pessoas, os cultores da mão pesada defendem perseguição implacável aos pequenos delinquentes, penas duras para quem resvalar para este género de criminalidade.
Também não subscrevo a complacência dos cultores da criminologia. Há que definir prioridades no combate ao crime? É justo que existam. Alegam a escassez de meios e a necessidade de os concentrar na criminalidade violenta, na criminalidade de colarinho branco. São os crimes que atemorizam a sociedade – há que não esquecê-lo, nada mais que uma abstracção. Os adeptos da criminologia acrescentam a condescendência que os faz olhar para o lado quando a chaga da pequena criminalidade é discutida. Há sempre uma exclusão social, ou uma infância atormentada, ou um desvio de personalidade imputado à iníqua sociedade, que explicam a delinquência. Causas que explicam e legitimam a não perseguição destes crimes.
Nem de um lado da barricada, nem do outro. Acho deploráveis os instintos que comandam a reacção militarista dos primeiros. Temo que seja a porta entreaberta para outras acções violentas, desproporcionadas. Que seja o pretexto para mais Estado policial, como se já não bastasse o que nos cerca. Porém, não consigo encontrar o mais pequeno vestígio de complacência com quem usa e reitera da pequena criminalidade. Não me comovem as explicações sociológicas que visam obter o perdão para estes desgraçados da sociedade. Talvez a insensibilidade se deva à tarimba como vítima destes pequenos crimes. Seja como for, acho que tudo perde o sentido quando a vítima passa a algoz e o criminoso aparece desenhado como o santo que até a auréola carrega.
Lembrei-me de uma solução para que esta criminalidade entre nos carris do tolerável. Neste género de crimes, as investigações estão condenadas ao arquivamento. A “falta de provas” é o sintoma de que os investigadores assobiam para o lado e não se querem aborrecer com um processo que envolve umas “migalhas”. É a mania das grandezas, versão policial. Já que as preocupações sociais continuam a ditar a agenda, já que somos instruídos para ter comiseração dos excluídos que entram na senda do crime, o Estado (que somos todos nós, vítimas e algozes) devia ser sensível à retórica que prega. As autoridades não deviam padecer da enviesada análise que confere tratos de polé ao criminoso e desprotege a vítima. Que assuma as suas responsabilidades: altere as leis fiscais e permita que as vítimas de pequena criminalidade deduzam os danos causados no seu IRS.
Tudo seria detalhadamente legislado, para impedir simulações bem engendradas de crimes. Não haveria buracos da lei a contemplar a compensação de falsas vítimas. Seria imprescindível a denúncia feita na polícia (mais emprego, portanto), com inventariação exaustiva dos bens furtados e dos danos causados. Já que tanto se fala de generosidade destinada aos carenciados, já que o valor da solidariedade é proclamado de forma tão enfática, e já que o Estado (que somos todos nós) tem o condão de deixar as vítimas de assaltos na penúria por falta de compensação, que sejam os impostos recolhidos (e pagos) por todos nós a exibir a tão esperada solidariedade colectiva.
Pela parte que me toca, se soubesse da possibilidade de abater aos meus impostos os prejuízos causados por assaltos, veria nisso um acto de generosidade compulsiva premiado com um crédito fiscal. Tanta vozearia com o valor da generosidade, tanta teoria rebuscada convocando a comiseração necessária dos meliantes, de uma penada eis como se conciliavam valores aparentemente desavindos. É que já estou cansado de ser generoso com pessoas que me escolheram como seu benfeitor, sem que eu fosse tido e achado no compulsivo acto de generosidade.
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