6.4.07

A mentira e a política


(Retirado de http://opusfryting.blogspot.com/2007/04/pode-ser-que-algum-do-gabinete-do.html)

O que aconteceria a qualquer um de nós, comuns mortais, se alguém descobrisse que tínhamos aldrabado as qualificações académicas? Qual seria a penalização para a mentira? A resposta é auto-evidente.

Os últimos tempos têm sido conturbados para o primeiro-ministro. Teve o azar da universidade onde aparentemente se licenciou estar envolvida em lamentáveis acontecimentos (que já foram matéria-prima para manobras de desonestidade intelectual de sacerdotes bem pensantes, que confundiram a árvore com a floresta num conveniente sentenciamento de todas as universidades privadas). O “Eng.” Sócrates foi vítima colateral das trapalhadas da Universidade Independente. Por entre ecos distantes que levantavam suspeitas de como obteve a licenciatura – até certo ponto, não passavam de mais uma tentativa para descredibilizar a providencial figura – o tema ganhou visibilidade quando o Público se empenhou numa investigação que trouxe o assunto para a arena mediática. Há muitas coisas estranhas por explicar. O silêncio do primeiro-ministro apenas alimenta as suspeitas. Ao que se sabe, o silêncio tem sido táctico: o próprio (e os assessores) tem-se desdobrado em telefonemas para as redacções de jornais, rádios e televisões, tentando condicionar a liberdade de informação. A táctica do costume: depois do burburinho, deixar assentar a poeira e confiar na curta memória do povo.

Confesso que estou longe da imparcialidade para fazer a análise da polémica. Embirro com o “Eng.” Sócrates. Tenho-o como um embuste, dos maiores que a história da democracia recente forjou. Com agravantes: autoritarismo mesclado com arrogância; abuso do poder que a inditosa maioria absoluta lhe confere; especialização na arte do ilusionismo comunicacional, com pomposos eventos que propagandeiam iniciativas que são sempre fáceis de anunciar, sem nunca haver o cuidado de avaliar resultados; um preocupante culto da personalidade, aparecendo o primeiro-ministro como a personalidade sebastiânica que há-de retirar do lodaçal em que ineptos governos anteriores nos afundaram.

Continuo na advertência: a antipatia pessoal e o facto de não me rever no “projecto de governação” condicionam a análise do tema. Porém, há certos aspectos que não consigo deixar de sublinhar. Primeiro, e rumando contra a maré, não acho que a ausência de qualificações académicas seja desprezível para pertencer ao governo. Não acredito na “escola da vida”, tão popularizada nos dias que correm. Aliás, o percurso do “Eng.” Sócrates é sintomático disso mesmo. Feito na escola partidária, subindo na escala do partido até ao estrelato ministerial, houve a necessidade de compor o perfil marcando encontro com o canudo universitário. É paradoxal esta terra: tanto temos luminárias que desdenham do canudo universitário, exaltando a “escola da vida”, como logo a seguir se desfazem em reverenciais genuflexões a doutores e engenheiros. Estamos algures num limbo, fermentando uma crise de identidade.

Segundo, não colhem os argumentos de certas virgens ofendidas que protestam contra a intromissão na vida pessoal do primeiro-ministro. O primeiro-ministro, por muito que lhe custe a aceitar a ideia, é um entre iguais. Não são os socialistas que se autoproclamam campeões do igualitarismo? Espera-se que não cavem o cadafalso da incoerência, ao preconizarem uma coisa na teoria que depois não é seguida na prática. Convém esclarecer que as suspeitas sobre as qualificações do “Eng.” Sócrates mostram agora todos os seus fundamentos. Não é por ser primeiro-ministro que as investigações que vasculham o passado académico da personagem devem ser cerceadas. Antes pelo contrário: sempre ouvi dizer que os bons exemplos partem de cima. Daí uma especial exigência no apuramento da verdade.

Em terceiro lugar, há que dar resposta à seguinte interrogação: se este fosse um país amadurecido democraticamente, o que teria acontecido ao primeiro-ministro quando soaram as suspeitas fundadas de irregularidades na sua licenciatura? Demissão. Seria o próprio a pedi-la, houvesse o mínimo de pudor. É tão mentiroso o que mente com todos os dentes como o outro que omite a verdade. A ânsia de um canudo universitário terá levado o “Eng.” Sócrates a fazer-se engenheiro de meia-tigela. Que tenha omitido o facto e, mais grave, alterado a verdade forjando o curriculum, é o que resta da história como inaceitável.

Já sabemos que a política é a arte da mentira. Que os políticos se especializam em promessas vãs, com o acrescento de placidamente negarem o que foi dito no passado. Mas há um limite para tudo. Neste episódio, o “Eng.” Sócrates passou dos limites, atendendo ao cargo que ocupa. Como podemos confiar num mentiroso compulsivo? Como podemos entregar os nossos destinos nas mãos de um primeiro-ministro que surge aos olhos do público como alguém que não olha a meios para atingir os fins? Assentemos os pés no chão: continuaremos a levar com o “Eng.” Sócrates. O apego ao poder, um projecto pessoal de poder e a tradicional magnanimidade com os socialistas hão-de compor o retrato em que o “Eng.” Sócrates ficou tão mal. E assim continuaremos a ser um país pequenino, preso às saias da menoridade democrática.

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