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(Em
diálogo)
Uma
alquimia, as palavras. A sua versatilidade – ou como a mesma palavra pode ser
entoada para fins opostos; ou como a mesma palavra se embebe numa espessura
diferente mercê dos estados de espírito que tomaram conta do momento. Elas
jogam-se com as infinitas probabilidades que se compõem no imenso oceano que
são. É por isso que a literatura é uma fonte contínua. É por isso que, por maior
que seja a falta de inspiração, se congemina uma mântica de palavras para a
auscultação do instante, a rememoração do pretérito, o necessário alinhavar das
interrogações.
As
palavras podem ser uma quimera, também. Elas revolvem-se nos espartilhos do
pensamento, saem a medo, saem a custo, desinspiradas. Por vezes elas cavalgam
na sela de uma musa inspiradora, com uma sofreguidão que atropela o próprio
pensamento. Vão à frente do pensamento, semeiam as emoções. Outras vezes o
pensamento antecipa-se às palavras, é como se fosse a sua locomotiva. E elas,
pusilânimes, esgueiram-se com as cautelas dos timoratos, esbracejam a sua dor à
medida que as arredondadas formas tingem a folha branca. Como um parto
doloroso. As formas que emprestam uma mancha à folha virgem, dir-se-ia, os respingos
de sangue que retratam a violência com que as palavras foram resgatadas ao oráculo
das ideias.
As
palavras embelezam-se quando resultam em coreografia harmoniosa. São
prodigiosas quando se arrevesam em fórmulas criativas, quando as convocamos a
dizer aquilo que jamais fora dito senão nas sábias estrofes dos poetas. Pois os
poetas são penhores de uma magia ímpar. São artesãos da simplicidade. Conseguem
dizer um mundo inteiro pela intermediação de um punhado de palavras. Como Eugénio
de Andrade a exortar
Colhe
o oiro do dia
da haste mais alta
da melancolia.
Ou
Mário de Cesariny a suplicar
Queria de ti um país
de ondas e de bruma
Queria de ti o mar
duma rosa de espuma.
E
sim, as palavras não merecem a redução a inertes. As palavras não se podem
jogar língua morta. Pelo seu óbito, a nossa resignação. A um passo apenas da
pior das indigências. As palavras – a sua ambiciosa policromia, o jogo de
espelhos multiformes em que se desmultiplicam – a nossa redenção.
1 comentário:
Precisão de ourives a tua, na descrição do acender das palavras.
Mas o mérito do êxtase também será repartido pela singularidade de cada leitor, talvez até com maior cota!
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