In http://www.mun-montijo.pt/NR/rdonlyres/4978EDA3-792F-4FFF-9F24-1B49D1205E56/0/DSC09859.JPG
Na
berma da estrada, os jovens intrépidos dançam sobre carros que passam. Põem um
pé dentro da parte carnuda da estrada (onde o asfalto se delimita pelos traços
brancos que indicam a existência de estrada) exatamente quando um carro anuncia
a passagem. Ensaiam gestos que parecem aprendidos de um manual de bandarilheiro
espanhol. Os seus touros, todavia, são bestas de alumínio lançadas a
velocidades alucinantes pelos motores de combustão.
Os
jovens, que parecem possuídos por uma demência sem explicação, desafiam-se para
saber quem é o mais ousado. Nesta coreografia rodoviária, é sinónimo de passos
de tourada que os façam quase beijar os carros que passam. Os condutores não
chegam a ter tempo de se assustarem. Os passos tauromáquicos são súbitos, os
rapazes atirando-se quase para cima dos carros enquanto enfeitam a bravura com
a pose artística do toureio a pé. O frisson
só conta quando os rapazes cambaleiam no distrate do toureio – quando, de tão
perto se porem, a deslocação de ar os faz regressar ao solo em desequilíbrio.
Às vezes é tanto o desequilíbrio (e é tanta a audácia) que sentem os frisos do
carro a roçarem pelos braços.
Não
são os únicos a tremelicar. Os assustados condutores sobressaltam-se com o que
lhes parece um bando de rapazes em colectiva demanda de suicídio. Depois de um
condutor passar pelo intrépido que quase se atirou para cima do carro, o susto
traz a marca dos ziguezagues e do rosto lívido devolvido pelo espelho retrovisor.
Não saberia que ao entrar para a estrada seria toureado. Não saberia que o
volante que segurava exigia-se firme; senão, o carro por onde seguia podia ser
mais letal do que qualquer touro enfurecido no alto das suas centenas de
quilos.
Um
dia destes a demência passou dos limites. Houve um rapaz que quis triunfar no
pleito da audácia. Pretendeu tourear tão de perto um carro que passava que foi
por ele colhido. Como nas arenas onde ainda um povo quase inteiro se excita com
o lamentável toureio, sangue derramado e uma vida ceifada. A adrenalina às
vezes é uma cilada.
(Em Lalín, Espanha)
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