5.9.11

Tourear carros


In http://www.mun-montijo.pt/NR/rdonlyres/4978EDA3-792F-4FFF-9F24-1B49D1205E56/0/DSC09859.JPG
Na berma da estrada, os jovens intrépidos dançam sobre carros que passam. Põem um pé dentro da parte carnuda da estrada (onde o asfalto se delimita pelos traços brancos que indicam a existência de estrada) exatamente quando um carro anuncia a passagem. Ensaiam gestos que parecem aprendidos de um manual de bandarilheiro espanhol. Os seus touros, todavia, são bestas de alumínio lançadas a velocidades alucinantes pelos motores de combustão.
Os jovens, que parecem possuídos por uma demência sem explicação, desafiam-se para saber quem é o mais ousado. Nesta coreografia rodoviária, é sinónimo de passos de tourada que os façam quase beijar os carros que passam. Os condutores não chegam a ter tempo de se assustarem. Os passos tauromáquicos são súbitos, os rapazes atirando-se quase para cima dos carros enquanto enfeitam a bravura com a pose artística do toureio a pé. O frisson só conta quando os rapazes cambaleiam no distrate do toureio – quando, de tão perto se porem, a deslocação de ar os faz regressar ao solo em desequilíbrio. Às vezes é tanto o desequilíbrio (e é tanta a audácia) que sentem os frisos do carro a roçarem pelos braços.
Não são os únicos a tremelicar. Os assustados condutores sobressaltam-se com o que lhes parece um bando de rapazes em colectiva demanda de suicídio. Depois de um condutor passar pelo intrépido que quase se atirou para cima do carro, o susto traz a marca dos ziguezagues e do rosto lívido devolvido pelo espelho retrovisor. Não saberia que ao entrar para a estrada seria toureado. Não saberia que o volante que segurava exigia-se firme; senão, o carro por onde seguia podia ser mais letal do que qualquer touro enfurecido no alto das suas centenas de quilos.
Um dia destes a demência passou dos limites. Houve um rapaz que quis triunfar no pleito da audácia. Pretendeu tourear tão de perto um carro que passava que foi por ele colhido. Como nas arenas onde ainda um povo quase inteiro se excita com o lamentável toureio, sangue derramado e uma vida ceifada. A adrenalina às vezes é uma cilada.
(Em Lalín, Espanha)

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