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Quando as horas, tal como
as ruas, são desertas. Só se escuta o silêncio do vento. O orvalho cadente
espuma na extremidade da relva, emprestando um brilho ao dia nascente à medida
que se soerguem as primeiras colorações do sol. Antes, porém, a embaciada
claridade tinge o medo noturno. Derrota-o. A claridade promete a revelação do
dia nas suas tonalidades garridas, como se fosse uma voz que ecoasse na
profundidade da paisagem mental um segredo que não é em vão.
As mãos atiram-se ao ar.
Querem encerrar em si o matinal ar fresco. Depois, numa coreografia demente, as
mãos depõem o viço do ar matinal por todo o corpo, como se o ensaboassem com o
sortilégio do ar extemporâneo – do ar abundante, ainda não tomado pela poluição
da multidão que não demora a sair às ruas, dos chacais que se apoderam da
claridade e da vivacidade do ar (assim perdida), perfumando-as com o
desassossego que se acotovela em ruas apertadas.
O crepúsculo da alvorada é
uma oferenda, dir-se-ia, divina (caso houvesse divindades). Mesmo o bulício da
cidade se aplaca na tremenda acalmia propícia do amanhecer impregnado de
claridade. Não se demova o corpo pelos tons baços da madrugada; oxalá eles se
demorassem pelos minutos fora, oxalá conseguissem adiar o sol que, manda dizer
o boletim meteorológico, cobrirá de escaras tisnadas mais um dia de verão
tardio. Ainda a pele não se envidraçou com o suor engordurado, ainda os
músculos rodopiam com a vivacidade matinal e as ruas se espraiam desertas. Ainda
pureza.
Eis o sortilégio do
crepúsculo matinal: se os olhos se detiverem demoradamente na constelação de
cores que se apoderam do firmamento, eles são açambarcados por uma fulgurante
anestesia. Os sentidos, encapsulados no hermetismo do nada. E as palavras fluem
adocicadas pelos pensamentos hipnóticos.
O sortilégio do crepúsculo
alvar é uma lamentação: a marcha imparável do sol que finda o império da
madrugada.
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