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Sombras
envergando foices sinistras demandam o sangue dos pecadores. Os vultos deslizam
sem se fazerem notar. Parecem fantasmas, as suas sotainas castanhas estendem-se
até aos pés escondendo os corpos, ora mirrados, ora balofos, dos que perseguem
a açoutadora função.
Os
corredores apertados e escuros destilam uma humidade pestilenta. Os ombros por
vezes atamancam-se contra os tijolos encardidos, aqui e ali roçando no pontual
musgo sedimentado numa esquina exposta à humidade. Os frades não renunciam à
perseguição. Não deixam o seu passo lento e metódico, e mesmo assim as
correrias desenfreadas pelos corredores do túnel acanhado parecem inúteis para a
glória da fuga.
É
um labirinto, aquele túnel franqueado depois de derrotadas as precatadas hesitações.
Diante da sua embocadura, desconfiou do convite feito pela portinhola aberta.
Arriscou o passo, arqueando o corpo sob a curvatura dos tijolos que encimavam a
gruta metida nas profundezas do subsolo. Fora um passo temerário. Tantas tinham
sido as noites assaltadas por pesadelos encenados em túneis sorumbáticos,
viscosos, desmultiplicando-se em corredores paralelos que desfocavam a lucidez
ao desaguar nas mesmas encruzilhadas.
Foi
num ápice que o túnel escureceu. Olhou para trás e não discernia um vestígio de
luz que fosse bússola do regresso à casa da partida. À frente, uma cascada de luzes
baças preenchia o quadrante diante dos olhos. Os pés tinham de se meter ao
caminho – e o caminho era para a frente. Foi quando o corpo metido no
espartilho dos corredores sentiu a perseguição dos frades empunhando archotes.
Emudecidos, como se ali houvesse uma regra de silêncio sepulcral, ou tivessem
feito um voto de renúncia à voz. Pareciam cada vez mais, cercando por todos os
lados. Cada vez mais próximos. Os pés escorregaram no dorso aveludado do musgo
que atapetava o chão. Escorregou por um declive, o corpo tombando sobre si.
Dorido e imerso na escuridão, aprendia as dores quando notou o silêncio quebrado
pelo zumbido suave das sotainas deslizantes. As luzes dos archotes fizeram-se
notar. E o corpo não respondia.
Que
estivesse sossegado. A luz crepuscular da alvorada disse, entretanto, que era
só um pesadelo.
(Em Vigo, Espanha)
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