15.9.11

Esboço surrealista


In https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjjDvbCwWdtky0_ETG8ksorsXt56942lQGoi9SW-UfxlnWfX6eai2lh1kUY_fOXbWQ8nLmXVIlf1as5jbGR5tsrgympG_jY0qRRs0LLd_5mX6Q5NZJYTKcpC0shQAmd5eogPo8F/s1600/surrealismo%25201.jpg
As andorinhas não tinham ninho – esperavam o parto na maternidade. Aperaltavam-se, calçavam os sapatos de saltos altos engalanados com bisturis cintilantes. À cintura, um pano da cozinha imaculadamente engomado. Os futuros progenitores, enxameados pelo nervoso miudinho, cantarolavam árias de ópera para disfarçar. Apanharam um táxi de três rodas e assentos de amianto. A ASAE ainda não tinha inspecionado a frota.
A orquestra afinava os instrumentos no introito do concerto. O pianista maneta aquecia as teclas enquanto pedia à violoncelista anã que lhe assoasse o obstipado nariz com o que seria a mão em falta. O maestro, na antítese do estereótipo dos condutores de orquestra, era um lambidinho apessoado. Fatiota impecável, botões de punho arroxeados, o cabelo colado com resmas de brilhantina, sem um único cabelo desalinhado. Distraído por causa do génio que o sobressaltava, esquecera-se, todavia, do calçado. À mostra, para torcer o epítome apessoado, uma peúga de grossa lã encimada por um avantajado buraco que deixava à mostra dois dedos do pé (um dos quais com uma unha encardida).
O macaco bateu as asas em retirada. Entrara na loja gourmet e furtou, à socapa, meia dúzia de caixas de charutos com aroma de pêssego. Metera-se debaixo do balcão às escondidas do dono judeu, mesmo encostado ao livro de preces. Aproveitou a breve ausência do judeu para rastejar pelo chão da loja como se fosse um comando em manobra militar, até à vitrina do tabaco. Desembolsou o martelo com extremidade em pedra de diamante e, num golpe seco, estilhaçou o vidro da montra. O resto foi num ápice. O braço longo abraçou a meia dúzia de caixas de charutos e bateu asas. O judeu nem teve tempo para esboçar reação.
O líder da extrema-esquerda foi a banhos a um spa num hotel de luxo. Depois do refastelanço, opíparo manjar no restaurante da moda. Amesendou com três capitalistas de gema. Combinaram uma canastra e duas partidas de golfe. Trocaram os números de telemóvel das consortes – elas haveriam de conviver numa vespertina ida às compras em lojas excêntricas. No dia seguinte, o líder da fação não se atirou aos ricos. Os seguidores acefalamente não estranharam a ausente diatribe.
O mundo – ah, o mundo! – era uma completa normalidade.

Sem comentários: