23.9.11

O marxista (convertido)


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Ouvira dizer: que os acontecimentos desmentem os dogmatismos em dia. Espalharam por aí a novidade: esta crise é o estertor do capitalismo. De tanta ganância, de os mercadores de capitais só quererem amealhar lucros, sobrou um numeroso exército de descamisados. Ainda por cima, os governos atiram combustível para a fogueira: ateiam o espartilho da austeridade, esganam o gargalo do futuro que espreita, ao fundo do túnel, agitando um punhal frio.
Corria à boca pequena: a crise sem par era o tiro suicidário do capitalismo. Do que se tornara o capitalismo no seu estertor – um selvagem capitalismo. Ainda deitou os olhos às páginas dos clássicos, dos doutrinadores de antanho, os que ensinaram as virtudes do mercado livre, da livre iniciativa, da espontaneidade dos mercados e da magreza das autoridades. Bebeu de novo aquelas palavras. No fim da assimilação, sentiu-se esvaziado. Órfão de ideias válidas. Aquelas ideias eram uma disforme manta de retalhos incapaz de explicar a cruel realidade que passava diante dos seus olhos.
Escutou uns gurus reabilitados e chamarem a si a tardia razão. E – oh! – se era imperativa uma razão no firmamento, não fossem as ausentes coordenadas estilhaçar um rumo também ele imperativo. Os gurus resgatavam teorias que se julgavam esquecidas no panteão das memórias. Voltavam a pôr Marx e discípulos em cima do palco. Já não eram desdenhados. A eles não voltava apenas a coorte de sempre; era engrossada com os defraudados pelos dogmas desacreditados, os apoquentados pela imoral austeridade. Relia-se Marx e aquelas palavras assomavam tão atuais. Não eram profecias fora do tempo: voltavam, pelo toque de Midas da teimosa crise, em viço.
Mergulhou nos calhamaços, em literatura avulsa que deificava o oráculo marxista. Fez coro com os que se encolerizaram contra os que se apressaram a fazer o funeral do marxismo. Não era o fim da história, nem o fim das ideologias, como insistiam os do pensamento dominante. Ele, dali transviado, era atirado para a frente das discussões. Não percebia o papel de idiota útil, a carne para canhão a quem era retirada a guloseima quando destilava um empobrecido desempenho.
O amigo de infância, também a beijar os calcanhares da sexagenária idade, perguntou ao telefone como iam as leituras dos progenitores do marxismo. Melhor dizendo: as releituras. Já não era a primeira vez que se tresmalhava entre ideias.

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