29.9.11

Entrelinhas


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A carta diante dos olhos, um cardápio de palavras que se desdobra em possibilidades e oculta as insinuações que se farejam nas entrelinhas. São como uma névoa densa que embacia o olhar, ou repetidos copos de vinho que adulteram o raciocínio. As entrelinhas são apenas uma suspeita. Por vezes, as palavras enquistadas no papel são de uma nitidez à prova de dúvida. Através delas desaparece a possibilidade das impossibilidades que fazem tirocínio na amálgama de disformes palavras que se esgueiram na penumbra do olhar. Outras vezes o pensamento confunde-se com os múltiplos sentidos que se encadeiam num amontoado de palavras. Como se as palavras escritas, as palavras ditas, fossem a chave que abre as portas para as palavras insinuadas que vêm atrás.
O pensamento acha-se embotado pela depuração das impossibilidades. À míngua de esclarecimento do autor das palavras escondidas no farol das palavras reveladas, o pensamento debate-se com a impossibilidade das múltiplas possibilidades das palavras escondidas. Há um tempo imenso gasto na hermenêutica das suposições. O pensamento deita-se em palavras apenas imaginadas na sua fermentação. Ele descola do solo, os pés perdem o contacto, anestesiam-se nas elucubrações.
Nas entrelinhas, nas apalavradas entrelinhas que são o soro que fertiliza especulações estéreis, é-se apanhado na adivinhação do pensamento alheio. É a maior das impossibilidades. O mal já está feito. Começou quando alguém sussurrou ao conhecimento que havia entrelinhas. Continuou quando a experiência ensinou que há uns quantos que, covardes, obliteram a covardia na cortina de espelhos das palavras que se supõem em incertas entrelinhas. Adensa-se ao embarcar no cinismo e a ausente frontalidade adestra, em entrelinhas impostas, as palavras que se queriam ditas nos olhos.
As entrelinhas desmembram o entendimento. São um maço de cortinas espessas que se deitam umas em cima das outras, em camadas sucessivas que deturpam o entendimento. Tudo se passa como se à nossa volta se ocultassem diferentes dimensões paralelas. Dimensões que ficam escondidas da curiosidade dos olhares que veem. 

1 comentário:

Vanessa, a Mãe Possessa disse...

Soberbo, PVM!

Palavras perdidas, largadas à sua sorte...
Quanto tudo se pensa perdido, resta-lhes sempre a sorte.