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O sol decaía
na tarde madraça. Era um dia de trabalho como outro qualquer, exceto para eles
os dois, sentados numa esplanada debruçada sobre o mar que se depunha na areia locupletada
por seixos. Pouca gente se banqueteava com o mar rabugento, o mar que
atemorizava em ondas brutais desfeitas num ápice ao esbarrarem no molhe.
Estavam
contemplativos. Maceraram num silêncio demorado. Diriam de tal silêncio que a imponência
das ondas convertendo-se em manto espumoso rogava muda contemplação. Ou também
poderiam dizer que gastaram todas as palavras que havia para dizer na tarde que
se demorava quase até ao ocaso; e que o cortejo de cervejas moldava os
pensamentos em voz distorcida, até que as vozes plásticas deram lugar ao
silêncio. Um deles rompeu a espessura dos silêncios:
- Achas que temos de andar na vanguarda das
coisas em que nos metemos?
- É a nossa pegada genética, ripostou sem
convicção, os olhos perdidos no firmamento, anestesiados pelo circo das ondas
furiosas.
O
silêncio pousou nos minutos que se seguiram. Não convencido com a resposta diletante,
insistiu na interrogação mas deu a volta inteira ao texto:
- E se for apenas presunção nossa? E se
acharmos que estamos na vanguarda apenas porque metemos na cabeça os
pergaminhos de quem arremete contra a maré dominante? Não achas que somos
apenas simulacro de uma coisa qualquer, prisioneiros de um artificialismo
atávico?
- Tantas perguntas dentro de uma só, balbuciou com um
soluço pelo meio. Tanto dilema
existencial leva-te a algum lado? Aprecia a tela impressionista diante dos
olhos.
Confirmava-se que a ebriedade tem pulsos diferentes. Ora debita
introspeções que deixam vir à superfície filósofos reprimidos, ora se espraia
na serenidade em que o sentido da existência é o que menos interessa é. Todavia,
não ficara convencido com o assunto desviado. Num assalto de lucidez virada do
avesso, apeteceu-lhe ser apenas um como todos os outros, embebido na sua
perfeita e, talvez, mesquinha normalidade.
1 comentário:
Gosto mesmo da forma como escreves! Ainda bem que ficaste por cá:)
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