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De olhos vendados. Tateando as
paredes, notando as verrugas da pintura desbotada com a sensibilidade na ponta
dos dedos. Não havia sequer cicerone. Tanto dava que os olhos se entreabrissem:
a venda tão espessa e escura não deixava entrar um vestígio de luminosidade.
Temerários, os pés avançavam, esgaçando o passo. Quem sabe se por diante,
quando no próximo passo o pé em levitação procurasse poiso, houvesse apenas um
traiçoeiro vazio e o irremediável precipício.
O passo ia lento, compassado. As
mãos agarradas às porosidades da parede, como se os quase impercetíveis talos
levantados da pintura desgastada fossem arpões onde as mãos se ancorassem em
segurança. Por mais que quisesse estugar o passo – para apunhalar o sobressalto
da incógnita a que se entregara –, uns ventos sussurravam em contínuo “devagar, vai devagar”. Já nem lembrava
como se abraçara ao perigoso jogo. Entretanto cerceou a marcha. Queria meter as
ideias em ordem. Sabia que podia desabar o jogo quando quisesse; era só levar
as mãos à nuca e desatar o nó que aprisionava os olhos à venda. Forças
superiores, desconhecidas forças superiores, detinham os movimentos.
Congeminavam a sua vontade como se ela esbarrasse numa vontade em sentido
contrário. Os lábios mordiam-se sucessivamente, o sinal da destemperança
inútil.
Teimou no jogo. Meteu as pernas
e os braços ao caminho, arqueado para diante em pose defensiva. Fosse o que
fosse, seria dado a saber sem demora. Por vezes sentia que estava lacerado num
labirinto, o sentido de orientação insinuando a errância em círculos. Começou a
sentir vozes ao fundo, como se à distância fantasmas ciciassem as memórias que
não apetecia. O chão era irregular. Deixara de percorrer o solo cimentado do
labirinto e já era chão pedregoso, o exterior. Foi quando uma voz mais nítida
murmurou docemente ao ouvido: “agora
podes destapar os olhos”.
Fez-se à cena a reminiscência: o
lugar onde desaguara era a casa da partida.