16.3.12

Da opacidade


http://1.bp.blogspot.com/-bhD6nlJ3DIw/SrAor4jNIqI/AAAAAAAAj1o/XeN7RQvlFA8/s1600/por+detr%25C3%25A1s+da+cortina+da+tua+aus%25C3%25AAncia.jpg
Afastava os candeeiros. Os candeeiros de onde emanava uma luz tépida, como se o estremunhado clamor da penumbra fosse imperativo. A condizer, lá fora as partículas finas de uma neblina escassa. A humidade insinuava-se por todos os lados, por todos os poros, até à profundidade dos ossos. Os olhos procuravam, entre a penumbra, entender o corpo vizinho. Apenas um amontoado indiferenciado de sombras. Só se fossem olhos de gato, com a sua visão viperina, para decifrar os segredos escondidos pelas cortinas de sombras.
O ar, extático, emoldurava a sua própria interrupção. Era como se lá fora a neblina se perpetuasse, o sol embaciado atrás da teimosa cortina de finas nuvens acasteladas umas nas outras em jeito de finos crepes. Era o tempo em que a vontade existia para a indolência. Não apetecia dormir, não apetecia manter os olhos em demorada vigilância das sombras que medravam. Não apetecia nada – a não ser deslaçar o prontuário dos segredos em desfile diante dos olhos. Quando os dedos tiveram a ousadia de mapear os segredos ocultados na cortina de sombras, devolveram imagens avivadas que passaram na tela mental incendiada pelo fulgor dos sentidos.
E, todavia, o retrato inerte tornava-se denso na sua opacidade. Era como se todas as luzes possíveis não tivessem chama para percorrer o corpo deitado. O manto de sombras onde jaziam os segredos haveria de se deitar sobre a ossatura dos olhos. A indiscrição, reincidente, sondava, sem cessar. Havia um jogo encenado, as indiferenciadas peças do xadrez na sua opacidade contumaz. Os olhos debatiam-se, insaciáveis. Demarcavam-se da insónia, congeminando os cenários desdobrados em múltiplas páginas que continham as suas entrelinhas. A raiz quadrada da complexidade insondável.
Talvez os segredos embotados pelas sombras persistentes fossem um devir aconselhado. E a opacidade, um eflúvio. Esconderia os vértices cortantes, os escaninhos amargos, os contrafortes  pontiagudos. Os olhos perdiam a complacência se derrotassem a opacidade (então) apreciada.

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