19.3.12

Biografia dos excessos


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E ao bater da meia-noite, a glória que acenava diante dos olhos.
Repousara no antagonismo do tempo. Sabia que nada era receituário de placidez, as invectivas soluçando na gaguez das provocações. Talvez tenha amanhecido o tempo cheio de ventos ausentes e as águas do mar fossem chãs, anestesiantes. A alvorada inerme, um macio lençol acamado sobre o corpo, o bordão a adormecer a fúria sazonal da juventude. Amaciando os dias relapsos, os dias que outrora haveriam de ser saciados como se não fosse certo o dia vindouro.
Mas não. Uma cegueira implacável, um adiamento de muita coisa. Foi como se as horas primeiras do dia viessem descontadas no ritual de excessos que mais tarde, a destempo (diziam-lhe), resgatou do linóleo escondido. Um vulcão reprimido, fervendo na incrustação das veias. Era apenas um diadema amorfo, uma babel disforme, o dorso arqueado a contrições espúrias, invisíveis.
Ao entardecer, tomou o gosto pelos excessos. Parecia mandatado pelo arlequim insidioso que murmurava ao ouvido as tentações laterais. Vultos sombrios adejavam no espaço circundante ao solfejo da consciência. Amarelecia, a consciência. Rejuvenescia conceitos, desemproava valores (palavra doravante proscrita). Excessos a rodos. E por mais que as dores convulsivas destapassem arrependimentos em véspera de novo acantonamento de excessos, o dia que haveria de vir, já despejado do pungente sobressalto, era uma alvorada com as tremuras ansiosas pela renovação das destemperanças.
Passaram a ser matriciais, os excessos. De linguagem, nos atos, nas intenções, no assalto aos interiores corredores que pareciam esvaziados de cores. Diziam-lhe os mais chegados, condoídos, que por este andar a sentinela obscura, de ceifa na mão mecanicamente oscilando em demanda de incautos, não tardava a afeiçoar-se ao seu pescoço. E ele, desafiando nos olhos a terrífico fadário, retorquia:
- E perde-se o quê? Ganho eu. Ganho a intensidade dos instantes que sorvo como um alarve esfaimado. E triunfo sobre as clepsidras dançantes, esses punhais que se cravam, sem os vermos, na funda carne.

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