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(Qualquer semelhança com a
realidade é mera coincidência)
Ao amanhecer do dia grevista, o
presidente perguntou às pintinhas cor de rosa do pijama o que haveria de fazer.
Podia argumentar que se dedicara à ociosidade com o pretexto de um dia de
folga. Ele também tinha direito à folga – e se tantos dias de fim de semana
estivera em missões oficiais, sacrificando o lazer e o tempo com a família,
quem o podia crucificar se folgasse num dia da semana?
Mas as dores de consciência
batiam, fortes, nas profundezas da alma. Estava a meio de um dilema: concordava
com o protesto dos grevistas, mas o sentido institucional não era bom
conselheiro da pose grevista. Foi quando se lembrou de avocar o direito à
folga. Mas já sabia que os entediantes conselheiros logo diriam, naquele tom
palavroso que alçava os bocejos, que as patrulhas do bom tom iam denunciar a
hipocrisia de um presidente que queria fazer greve mas se acovardou atrás de
uma folga que nunca fizera dantes.
Ao pequeno almoço, aconselhou-se
com a primeira dama (que acabava de escalfar os ovos e barrar as torradas com a
manteiga dos Açores). A primeira dama advertiu-o: “és covarde, ou quê?! Queres que te vejam como um presidente madraço?”
Ainda com a dentadura postiça a tiritar de medo, que os ouvidos tinham sido
emprenhados pelo rugido da irascível primeira dama, foi até ao quarto de vestir
onde um pajem tinha separado o fato aprumado. A reprimenda da primeira dama ecoava
e ecoava. Hoje era o dia em que ia provar que ainda era um homem de fibra.
Recusou a fatiota. Ordenou ao pajem que trouxesse do armário roupa informal. “Hoje vai ser um dia diferente.”
Chamou o secretário e mandou-o
desmarcar todos os compromissos. Nem quis saber que uma das reuniões fosse com
o embaixador da China. “Está tudo
cancelado.” Mandou chamar o motorista. Entregou-lhe um papel: “esse é o seu roteiro. Os sítios onde me vai
levar”. Passou o dia a visitar piquetes de greve. A cumprimentar
sindicalistas. A ouvir os lamentos dos grevistas. Deixou-se fotografar de braço
dado com senhoras da limpeza dos serviços camarários que estavam em paralisação.
Não falou aos jornalistas que o cercavam (ainda se lembravam da maior
reprimenda da primeira dama: “não fales
de improviso que sai asneira”).
À noitinha, deitou-se com a
consciência enfartada. Sentia-se um herói dos trabalhadores.
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