https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjlLm3gEnv93mmcAGm3KIkCRYI9jiPnHyS6ghBQBVjsbsoPfx6YqjNIgGWHXqMUAVxmHq5-6r8F5wqjLZUtfPvoDa8CxA-N9a6ucYaoK9D_LKyzXVgJGGfM7bR8xzJ5TmPvtiEQ/s1600/1+a+tio+debaixo+do+colchão.jpg
Havia um punhado de gente de pé
atrás. Os desconfiados por militância genética. Pareciam abutres com o pingo da
desgraça a cair do nariz, o pingo da desgraça deitando-se sobre a terra húmida
e fermentando o musgo da revolta contra a revolução. De começo, as lideranças
das revoluções não se atemorizavam. Eram grupelhos isolados, sem cimento
ideológico. Gente com assuntos mal resolvidos com o mundo.
Mas como tudo que tem uma
alvorada, os ténues feixes de luz foram-se impregnando de resplandecência.
Esses patrocinadores de infortúnios alheios, à míngua de coragem para
apascentarem os seus próprios, dedicaram os tempos livres (que eram os dias
inteiros) a vasculhar os fundilhos dos baús dos novos líderes revolucionários.
Como os serviços secretos andavam anestesiados pela consensualidade que
abençoava o novo regime, a empreitada atapetou-se de facilidades. Os podres não
demoraram a vir à superfície, em cascata.
Ele eram líderes que se
habituaram a ficar em hotéis de cinco estrelas quando iam em visita oficial.
Ele eram líderes que compravam casacos de pele (da genuína, em contravenção com
a propagandeada causa ambiental) para as consortes e para as ilegítimas. Ele
eram assessores tomando mão de bólides vaporosos. Ele eram ministros
banqueteando-se nos restaurantes gourmet,
que se mantinham apesar da ostentação capitalista ter esbarrado no seu epílogo.
Os do mau feitio quiseram ir mais longe para trautearem o incorrigível
pessimismo antropológico. Alguns eram peritos em informática. Os
revolucionários eram amadores e desprotegeram informação que devia estar
reservada. Descobriram o suficiente para um devastador maremoto.
Os pecadilhos pequeno-burgueses
eram perdoáveis. Pelo menos o bom povo, imerso numa benta água de generosidade
e complacência, não queria saber das escorregadelas que medravam as pessoais
incoerências de quem devolveu dignidade às pessoas. O pior vinha aí: muitos dos
governantes, de alto a baixo, meteram em baús bem escondidos pipas de massa
desviadas dos ricaços arrependidos.
Foi quando, para coroar o maremoto,
alguns capitalistas desapossados quiseram regressar à ribalta – já não através
dos fartos haveres, mas à ribalta narcisista. E começaram a ensinar a ontologia
das revoluções. Diziam que tinham sido eles, com a sua generosidade singular, a
fermentar o fim do capitalismo. Era a eles, capitalistas arrependidos, que o
povo devia agradecer a devolução da dignidade. Não aos líderes que decaíram na
corrupção dos valores que difundiam que nem ascetas sacerdotes de uma monástica
forma de vida.
O caos estava de regresso. Era a
natureza humana, impiedosa.
Sem comentários:
Enviar um comentário