15.3.12

Epílogo: o pessimismo antropológico é sempre (capítulo XXV)


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Havia um punhado de gente de pé atrás. Os desconfiados por militância genética. Pareciam abutres com o pingo da desgraça a cair do nariz, o pingo da desgraça deitando-se sobre a terra húmida e fermentando o musgo da revolta contra a revolução. De começo, as lideranças das revoluções não se atemorizavam. Eram grupelhos isolados, sem cimento ideológico. Gente com assuntos mal resolvidos com o mundo.
Mas como tudo que tem uma alvorada, os ténues feixes de luz foram-se impregnando de resplandecência. Esses patrocinadores de infortúnios alheios, à míngua de coragem para apascentarem os seus próprios, dedicaram os tempos livres (que eram os dias inteiros) a vasculhar os fundilhos dos baús dos novos líderes revolucionários. Como os serviços secretos andavam anestesiados pela consensualidade que abençoava o novo regime, a empreitada atapetou-se de facilidades. Os podres não demoraram a vir à superfície, em cascata.
Ele eram líderes que se habituaram a ficar em hotéis de cinco estrelas quando iam em visita oficial. Ele eram líderes que compravam casacos de pele (da genuína, em contravenção com a propagandeada causa ambiental) para as consortes e para as ilegítimas. Ele eram assessores tomando mão de bólides vaporosos. Ele eram ministros banqueteando-se nos restaurantes gourmet, que se mantinham apesar da ostentação capitalista ter esbarrado no seu epílogo. Os do mau feitio quiseram ir mais longe para trautearem o incorrigível pessimismo antropológico. Alguns eram peritos em informática. Os revolucionários eram amadores e desprotegeram informação que devia estar reservada. Descobriram o suficiente para um devastador maremoto.
Os pecadilhos pequeno-burgueses eram perdoáveis. Pelo menos o bom povo, imerso numa benta água de generosidade e complacência, não queria saber das escorregadelas que medravam as pessoais incoerências de quem devolveu dignidade às pessoas. O pior vinha aí: muitos dos governantes, de alto a baixo, meteram em baús bem escondidos pipas de massa desviadas dos ricaços arrependidos.
Foi quando, para coroar o maremoto, alguns capitalistas desapossados quiseram regressar à ribalta – já não através dos fartos haveres, mas à ribalta narcisista. E começaram a ensinar a ontologia das revoluções. Diziam que tinham sido eles, com a sua generosidade singular, a fermentar o fim do capitalismo. Era a eles, capitalistas arrependidos, que o povo devia agradecer a devolução da dignidade. Não aos líderes que decaíram na corrupção dos valores que difundiam que nem ascetas sacerdotes de uma monástica forma de vida.
O caos estava de regresso. Era a natureza humana, impiedosa.

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