2.3.12

O que se impunha: a união dos povos do mundo inteiro (capítulo XVI)


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Os poucos meses atravessados recusavam as cores idílicas que tinham sido prometidas quando os corruptos foram depostos. Em surdina, o povo mostrava impaciência. Não fora para esta inércia que vieram para a rua, que deram o sangue sob os bastões da polícia, que perderam haveres, que se embriagaram em ilusões. Mas o coro não era audível. Era apenas um sussurro.
As cabeças pensantes desgastavam-se em insónias inúteis. Punham e voltavam a pôr as peças de um xadrez enigmático; a bem dizer, não era enigmático, que as variáveis da equação eram conhecidas. O que não conseguiam, era desatar o nó que enquistava o enigma. À míngua de recursos, começaram a desviar o pensamento para alternativas. A primeira foi a doutrinação internacionalista. Era preciso um compêndio que fermentasse a revolta em todos os lugares ainda servidos pelas necroses do capitalismo. Os conhecimentos puseram-se em campo. Não faltavam doutrinadores interessados em compor o hino que arregimentasse lealdades. Foi passada a palavra, que deu a volta ao mundo inteiro. A junta coordenadora não prometia honorários generosos a quem emprestasse contributo. A afetividade era esbracejada para cativar o altruísmo dos idealistas.
Numa semana, a equipa dos sábios estava montada. Trabalhavam fora de horas, muitas horas por dia. Em salas tétricas, que quase todos diziam ser esse o ambiente inspirador. Às vezes, por reclamação de uns dissidentes que consagravam o sol, iam para os jardins com a papelada atrás. Esgadanhavam teorias insanas, atos proféticos dignos dos maiores visionários. Sonhavam, muito e alto. De dois em dois dias, o líder da junta, ou outro membro proeminente, ia de visita aos sábios.
Três semanas depois o grupo apresentou oito páginas de relatório. Seriam criadas células locais para doutrinar os povos. A rebelião nascia do microcosmos e agigantava-se até descer às ruas e delas invadir os palácios onde se mandava (mal). Desta vez, o pregão mudava (as circunstâncias assim mandavam): à união já não eram convidados apenas os proletários. Era o povo inteiro, os não abastados, mesmo a burguesia desempoeirada, que deviam esgrimir a voz inflamada contra os vendilhões. Até que, atemorizados, descessem do pedestal. Isto, um país atrás do outro.
A junta coordenadora leu o documento. Em menos de uma hora, mandou-o para o lixo. Os sábios foram recambiados à origem.

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