9.3.12

Provar do veneno (capítulo XXI)


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Soavam outros rumores – e estes tiravam o sono aos estoicos da revolução que já poucas horas de sono consumiam. Uns mercenários teriam arpoado batel numa praia isolada. Bateram em retirada pelo mato sem deixarem rasto. O batel abandonado levantara suspeitas. Os mercenários não foram profissionais: tentaram atear fogo ao batel, mas o rastilho não pegou.
O comandante da revolução e restante séquito estavam amedrontados. Sabiam que a diplomacia mundial não lhes era simpática. Era manifesto o sobressalto dos países hipotecados ao jugo do grande capital: temiam que a revolução crescesse numa maré imparável, de contágio em contágio entre países. A maquiavélica política dos endinheirados trataria do resto: queriam liquidar a revolução na origem. A peugada ainda incerta dos mercenários era o sonar da desordem que os outros queriam pespegar na terra ungida pela revolução. De repente, as prioridades foram repensadas. Os holofotes estavam virados para os mercenários a soldo do inimigo que se miscigenaram com os indígenas.
O pânico tomou de assalto a lucidez. O mais pequeno gesto fora da rotina era investigado. A mínima suspeita era o detonador das perseguições. Instruíram as polícias para o estado de emergência – mas não o quiseram anunciar, para não devolver alvoroço ao povo. As polícias (a regular e a política, acabada de criar no viço do estado de emergência) andavam vigilantes sem se deitarem ao sono. Farejavam todos os ardis, até os que viessem de gente que fora entusiástica aderente da revolução. Alguns, com a indignação a superar a contemporização revolucionária, começaram a trinar vozes de protesto. A repressão desceu às ruas. Um dia, um filósofo irrompeu pelo gabinete do comandante da revolução e perguntou se não estava a provar do veneno que eles detestaram nas autoridades anteriores.
- A revolução exige que façamos o que for necessário – ripostou, mal disposto e mal dormido, o comandante.
- E não temes a incoerência? Desse modo deixas de fazer a diferença em relação aos métodos dos que depusemos.
- Não me interessa – contrapôs, já incomodado com o topete do filósofo, o comandante. Queres desaproveitar o que conquistámos? Eu antecipo a tua próxima pergunta, para fim de conversa: sim, nesta altura os meios justificam os fins.
E levou o filósofo à porta, deixando-o sozinho, atónito e sem despedida. Sorte teve que nenhuma das polícias o incomodou depois. No dia seguinte já não teve entrada permitida no quartel-general da revolução.

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