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O bom povo era todo
disponibilidade mental nos alvores da revolução. Passava as mesmas dificuldades:
a dieta forçada, as roupas e o calçado gastos, o fim do lazer, outras privações
que não constavam do cardápio quotidiano antes de se descobrir a calamidade nacional.
Até era maior a míngua por causa da secura pela ausência de ricos e pelo
boicote dos outros países. O lixo em acumulação nas ruas era como se fosse um
berro pela falta de combustível para os camiões que o recolhiam. Deixara de ser
considerada prioritária, a recolha de lixo. A terceiro-mundização estava a
bater à porta.
Mas as pessoas, na imensa
maioria calculada por estima pelos pensadores da junta revolucionária,
acreditavam nas virtudes do novo sistema. Já havia uns lampejos de propriedade
coletiva. Alguns economistas encartados ofereceram massa cinzenta a preceito,
davam uma mão à gestão. Devagar, a produção recuperava. Os proventos eram
repartidos pelos trabalhadores. Mas ainda sobrava muita gente desocupada. Não
podiam inventar empregos, como se a administração do Estado distribuísse
prebendas sem sentido entre os bem colocados na escala dos conhecimentos e dos
favores. O desfalecido erário público não deixava.
Um dia, a polémica aterrou entre
a melancolia pós-revolucionária. Começou, o boato, a correr de boca em boca. Foi
um dos ostracizados camaradas do sector geriátrico e radical que descobriu os
vícios privados de um destacado dirigente. Repletos de sinais exteriores de
aburguesamento. Charutos, perfumes caros, sapatos exclusivos, garrafeira de
whiskies que metia inveja aos conhecedores e aos colecionadores, latas de
caviar bem escondidas debaixo de papéis indiferenciados, visitas a clubes
noturnos onde abundava a promiscuidade homossexual. Depois do primeiro rumor, mais
se seguiram atingindo outros destacados revolucionários enamorados de mundanos
hábitos, dispendiosos hábitos, burgueses. A estadia de outrora, quando
tirocinaram nos covis dos inimigos, deixara sequelas. Incorrigíveis sequelas.
O povo começou-se a agitar. Ao
início, descrente dos rumores, preferiu emprestar o benefício da dúvida. Seriam
(foi a voz corrente) infiltrados a semear rumores infundados, apenas para boicotar
a unidade dos revoltosos e do povo que o apoiava quase em uníssono. Lá no
subconsciente, porém, o bom povo inquietava-se: e se houvesse um fundo nos
boatos em circulação?
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