21.3.12

Um asilo para burros


In Público, 20.03.12
Vinha no jornal: lá para as bandas do oeste vai abrir um asilo para burros. Dos quadrúpedes, consta, brindaram pela noite fora, enquanto coreografavam o contentamento com as estrelas que, deitadas no céu, eram testemunhas da festança.
Os quadrúpedes já andavam a ansiolíticos. Estavam a caminho da extinção – diziam os cientistas. Podia lá tal coisa acontecer; pois se o que mais abunda são bestas urrando por todos os lugares, vomitando a agnosia inimputável sobre o dorso dos inocentes. Mas não havia inocentes. Era a confraria dos burros. Uns escolhiam os outros. Nos intervalos da distração, os primeiros davam caução aos dislates dos segundos. Quando despertavam da anestesia, vociferavam. Não percebendo que bolçavam o leite da sua própria burrice.
Como se podem acomodar todos os asnos num mísero albergue? E os problemas de sobrepovoamento, quem lhes dá cura? Esta é uma empreitada inútil. Assim como assim, os burros não correm o risco de extinção; aliás, à medida que o tempo faz léguas, a epidemia toma conta dos lugares. O reinado da mesquinhice acepilha o terreno, que os asnos têm cascos sensíveis que não podem ser magoados se calcarem solo pedregoso. Tome-se cuidado com eles: quando irados, desatam ao coice indiscriminado. Toca a culpado e a inocente. Não sabem distinguir. As limitadas capacidades não deixam ver mais de três palmos diante dos olhos.
A confirmar que não correm os asnos risco de extinção, consta que asnear é contagioso. Quem convive com a espécie esbarra no raciocínio fanado. Não há vacina que cure a maleita. O que faz falta é fugir deles a sete pés, apurar os sentidos para os detetar à distância. Mas devem ser tratados com complacência. Neles não habita a maldade. Quando são apedeutas, são dóceis, põem a expressão facial de ingenuidade desarmante. É quando, distraídos, o contágio atinge com pinças indestrutíveis os que se deixaram aproximar por jumentos.
É um dilema: mandam os cânones, não se ostracizam as minorias. Mas os asnos são a imensa maioria. E os não asnos, obrigados aos trabalhos forçados do apedeutismo?

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