In Público, 20.03.12
Vinha no jornal: lá para as
bandas do oeste vai abrir um asilo para burros. Dos quadrúpedes, consta, brindaram
pela noite fora, enquanto coreografavam o contentamento com as estrelas que,
deitadas no céu, eram testemunhas da festança.
Os quadrúpedes já andavam a
ansiolíticos. Estavam a caminho da extinção – diziam os cientistas. Podia lá
tal coisa acontecer; pois se o que mais abunda são bestas urrando por todos os
lugares, vomitando a agnosia inimputável sobre o dorso dos inocentes. Mas não
havia inocentes. Era a confraria dos burros. Uns escolhiam os outros. Nos
intervalos da distração, os primeiros davam caução aos dislates dos segundos.
Quando despertavam da anestesia, vociferavam. Não percebendo que bolçavam o
leite da sua própria burrice.
Como se podem acomodar todos os
asnos num mísero albergue? E os problemas de sobrepovoamento, quem lhes dá cura?
Esta é uma empreitada inútil. Assim como assim, os burros não correm o risco de
extinção; aliás, à medida que o tempo faz léguas, a epidemia toma conta dos
lugares. O reinado da mesquinhice acepilha o terreno, que os asnos têm cascos
sensíveis que não podem ser magoados se calcarem solo pedregoso. Tome-se
cuidado com eles: quando irados, desatam ao coice indiscriminado. Toca a
culpado e a inocente. Não sabem distinguir. As limitadas capacidades não deixam
ver mais de três palmos diante dos olhos.
A confirmar que não correm os
asnos risco de extinção, consta que asnear é contagioso. Quem convive com a
espécie esbarra no raciocínio fanado. Não há vacina que cure a maleita. O que
faz falta é fugir deles a sete pés, apurar os sentidos para os detetar à
distância. Mas devem ser tratados com complacência. Neles não habita a maldade.
Quando são apedeutas, são dóceis, põem a expressão facial de ingenuidade
desarmante. É quando, distraídos, o contágio atinge com pinças indestrutíveis
os que se deixaram aproximar por jumentos.
É um dilema: mandam os cânones,
não se ostracizam as minorias. Mas os asnos são a imensa maioria. E os não
asnos, obrigados aos trabalhos forçados do apedeutismo?
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