20.8.12

Demónios dissolutos


In http://wiki.cancaonova.com/images/6/6b/Cinzas.jpg
Era jurisdição passada, a comandada pela vontade nefasta dos demónios que pairavam, incessantes, esbracejando os vultos que eram sobre a luz murcha. Já não acordavas afogueado a meio do sono, dizias. Já não te apoquentavam os réditos que se apalavravam no acosso da consciência, como se fossem os vestígios, em forma de paga diferida, da errância de outrora. Era como se fosses atirado para os confins da memória, num poço profundo, arruinado pelas constantes evocações de tempos atrás.
Agora já podias. Já conseguias demorar o olhar no fio do horizonte, qualquer que fosse a tela que o enfeitasse. Não temias que os demónios, em forma de bestas aves negras, descessem sobre ti em voo cerrado. Dantes tudo era um sobressalto. Era como se a temperatura de ti encerrasse um forno perene, as pálpebras agitadas no sobraçar das palpitações enraivecidas pelo medo do escuro.
Mas esses foram tempos de que apenas guardas uma distante lembrança. Às vezes regressas a eles, só para te saciares com a acalmia que tomou conta de cada dia que se segue. Era dantes que os demónios tinham colonizado o teu pensamento. Demoraste a achar a carta de alforria. Foi a pulso e só a ti se deve a proeza. Alguns intuíram dedo de especialista na libertação dos demónios. Estavam errados. Tudo partiu de dentro de ti, uma erupção de movimento que derrotou a voracidade dos demónios instalados, derrubados um atrás do outro.
Hoje nada te amedronta. Foi o selo desse tempo ido em que os demónios foram teus parasitas, condenado que estavas ao fastio dos sentidos, o pensamento virado do avesso ao ponto de ser a negação de si mesmo. Agora a bruma matinal testemunha a exuberância que semeaste. Pouco faltava que houvesse excursões de gente acossada pelos seus interiores males em peregrinação até ao teu alpendre. Sugestões não faltaram. Mas tu quiseste o alívio do anonimato (e as mordomias da humildade).

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