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À simplicidade das coisas
complicadas. Não sabes nadar? Mergulha do alto de um penhasco para uma laguna
onde não tenhas pé, e diz se não sabes nadar. Repugnam-te as vísceras de
quadrúpedes transformadas em gastronomia fétida? Experimenta passar um punhado
de dias sem mantimentos. Tens acessos asmáticos e ficas com apoplexia
respiratória quando passa um gato nas imediações? Supõe que tinhas vocação para
veterinário, ias descalçar a bota. O médico diz-te, com a autoridade paternalista
de quem trata da saúde dos outros, que tens de deixar o uísque ou vais a
caminho de uma trombose? Continua, não te esqueças da dose diária e vai
encomendando a extrema-unção (se chegares a tempo de telefonar ao sacerdote).
Ou podes, como deves, desdenhar de todos moralismos baratos que embelezam a
quotidiana marcha do tempo e faz apenas o que apetece. Nunca se sabe quando
chega a estação terminal. Pode ser doença, demorada, desfazendo em nada o que
sobra da dignidade do ser. Ou pode ser sem aviso, a chave apodrecida abrindo
outras, indesejáveis, portadas. Portanto, faz o que apetece. Não sabes o que é?
Imagina meia dúzia de meses com lucidez e capacidades intactas, só isso.
Esquece as coisas complicadas. Contempla-as, toca-as com o carinho que trazes
nas mãos. Se parecem complicadas, cabe-te a sua transfiguração. As tempestades
não passam de coisas imaginadas. Procura, por dentro da tua grandiosidade, as
pétalas que arrefecem a fúria das tempestades. Bebe o que vier. Erra pelas ruas
até se cansarem os pés. Protesta a bondade com que perfumas quem se cruza no
caminho. Vai aos banquetes, assina petições (das mais ridículas às apoderadas
pelo sisudo rosto dos signatários), monta a bicicleta ostentando apessoada
fatiota, perde os modos à mesa, entra no mar todo vestido, deixa nas mãos de um
mendigo uma esmola como nunca recebeu no tempo da mendicidade, viaja sem rumo,
pega na paleta e pinta o céu da cor que calhar. E não te esqueças, tudo é
complicado apenas quando nos convencemos da complexidade.
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