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Entardecia, a caminho do crepúsculo que se prometia sem demora. No horizonte ainda sobrava o sol que teimava. O homem sisudo saíra do emprego mais cedo. Já não suportava a tagarelice dos colegas mais novos. Deles e das alcoviteiras que gastavam mais tempo a segredar rumores do que a honrar o salário. Os colegas não gostavam dele, tinha-o por adquirido. Era recíproco. Louvava cada entardecer que se abeirava da penumbra do ocaso.
Naquele dia, sem explicação, nem
a hipocrisia necessária para aguentar com semanas e meses de função no
escritório dera amparo à impaciência. Meteu o casaco nos ombros e arremeteu
pela porta, sem a cortesia dos adeuses. Avançou pelas ruas fora, a cidade ainda
imersa no bulício de uma qualquer quarta-feira. Apetecia caminhar. Apanhar as
ruas que aparecessem, declinando destino prévio. Iria por onde os pensamentos o
levassem, por onde a gente não irritasse, por onde a estridência da grande
cidade assoberbada nos negócios decaísse nos decibéis. Passou por um casal de
turistas que o interpelaram de mapa na mão. Nem percebeu em que idioma falavam.
Estugou o passo com o mesmo ar sisudo que amedrontara duas criancinhas que
pediam para devolver uma bola que fugira do alcance.
Começou a sentir uma brisa
fresca soprada do horizonte onde a penumbra depunha o sol restante. Notou a
brisa com aroma ao rio que se espraiava diante do imenso largo que parecia
reflexo do largo estuário em terra. Desceu a rua inclinada, como se o rio fosse
um apelo irrecusável. Os pensamentos tropeçavam uns nos outros, alarves no
amesquinhar do entendimento que o homem sisudo partira em demanda interior há
tantos anos.
Parou diante do rio, mesmo na
dobra da pedra cheia de musgo, quando a pedra consumida se curva nas águas paradas
do rio. Ali ficou, instantes atrás de instantes, de olhos fechados. Diria, em
sua pose imaginária, que estava de braços abertos a receber a inspiração do
rio. Quando desprendeu as pálpebras era já tempo noturno. Sem fome, desfez o
rosto sisudo. De que adiantava a solidão, as ideias feitas sobre as ideias suas
e dos outros, as certezas categóricas que eram só suas? Um dia, alguém lhe
dissera que era sociopata. Encheu-se de enfado quando a acusação estalou,
dolorosa, por dentro. A brisa do rio tratou de repetir o laudo.
Faltava a empreitada mais árdua:
mudar por dentro da mudança que era imperativa.
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