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Uma reportagem sobre cortes nos
subsídios sociais. Com exemplos na primeira pessoa, testemunhos do pesar pelo
emagrecimento do orçamento familiar. O governo é apanhado no restolho da mágoa.
Como somos a maioria que é muleta das autoridades, a reportagem tem o efeito de
um punhal que se mete fundo na carne. Parece que somos culpados pela restrição
dos subsídios aos mais necessitados.
É uma forma de analfabetismo.
Dirão que não é analfabetismo, que de uma iliteracia se trata, uma disfuncionalidade
cognitiva da jornalista empenhada numa militância que devia estar omissa caso o
jornalismo não se tivesse transformado numa modalidade de intervenção social. A
jornalista toma atenção ao acessório e desvia-se do essencial: uma das senhoras
afetadas não sabe ler a carta informando que o subsídio social será menos
gordo. Esse analfabetismo numa senhora de meia idade não é tema, é uma vírgula
desencontrada na reportagem. E, talvez, se a senhora soubesse ler, se tivesse
alguns estudos, não haveria reportagem em comiseração pela dilacerante situação
dos que vão ser privados de uma fatia da generosidade de todos nós. Enquanto
houver destes casos de analfabetismo no meio da grande cidade, não conseguimos
sair de um tacanho subdesenvolvimento.
O analfabetismo dos jornalistas
também se manifesta pelo encantamento com os aspetos mundanos da vida de
notáveis. Nos últimos dias, um punhado de não-notícias com a participação de um
guru do empresariado, aquele rapaz que mistura amiúde inglês com a língua nativa,
de sorriso perene (tão perene que até parece ser porta-estandarte de uma
empresa de dentífricos), o chairman
dos telefones. Ele é uma encenação com um famoso arquiteto, discorrendo sobre o
futuro das tecnologias. Ele é uma fotografia do senhor a sair de um banho de
mar numa praia algarvia (necessariamente da moda) em pleno desfrute da pausa
laboral. Ele foi, mais lá atrás, a especulação de que uma empresa da
concorrência no abastado Brasil o queria contratar (supõe-se que pagando um
salário ainda mais opulento).
O
ainda jovem mas já muito famoso Bava aparece, do meio do nada, em contínuas genuflexões
da imprensa que o alçam a um pedestal quase divino, e a mim cheira-me a
analfabetismo de quem se presta a este papel. A quem interessa Bava?
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