1.8.12

O pouco que soube a muito


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O crepúsculo pousava no dorso cansado do dia. A luz desmaiava, enfraquecida. Havia um certo torpor. Os olhos amordaçavam-se à medida que o sol descia nos contrafortes do horizonte. Mas os pés resistiam à indolência. Metiam-se ao caminho, sorvendo as ripas de madeira saltimbancas em cima das dunas. Em silêncio, respeitando o macerar interior convocado pelo entardecer.
O vento de fim de tarde não era maçada. Perfumava as maçãs do rosto com as cores de uma vivacidade quase sempre ausente (tão macilenta, a face, em dias habituais). Era o tónico para um aluvião de pensamentos que ora confluíam à boca de cena, ora se dispersavam como as areias finas sobrepujadas pelo vento fresco. À medida que os pés avançavam pela fieira de toros de madeira sobrepostos no areal, a claridade decantava-se no seu ocaso. De um lugar contrário, ateadas pelo crepúsculo que incendiava uma tempestade cerebral, as ideias faziam o seu trote. Era de fertilidade, o momento. E de uma certa astúcia que o sobressalto do tempo urgente não deixara aprisionar.
Talvez fosse do vento em furiosas pinceladas que descompunham o penteado. Ou do mar encapelado, duradouro no epílogo das marés vivas. Ou do areal que perdera o acobreado, agora que o entardecer mudara as cores à luz imperatriz. Tudo, por dentro, era uma azáfama de simplicidade. Firmara ali, com o jugo da ventania selvagem, um compromisso com o porvir. Desdenharia de tudo que andasse nos antípodas da simplicidade. E mesmo quando as janelas estivessem travadas pela poeira do estorvo, o olhar não se deixaria embaciar pelo engodo. Seria maestro das coisas simples. Para depois saber levantar a pena dourada e glorificar os atos, dos mais singelos aos que parecessem proezas a merecer pose donairosa.
E o tudo que soubesse a um mísero nada seria o sabor ao muito que enche as medidas.

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