17.8.12

Um homem bom não é (necessariamente) um ingénuo

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Era um compêndio de bondade. Até nas atitudes sumariamente condenadas pelo cidadão comum, aquelas que destilavam um rosário de maldade, remexia as entrelinhas para descobrir explicações para a maldade inexplicável aos olhos dos outros. Era um monumento ao desprendimento, um altruísmo deslocado do tempo e do lugar. Nunca o viram sorumbático. Oferecia sempre o rosto tranquilo, um sorriso nem que fosse em forma de esboço. A voz era um altar da candura.
Não se empenhava num quotidiano monástico, que tinha as suas dúvidas metafísicas, mas rivalizava com frades e freiras que tomavam entre mãos a bondade com os desprotegidos, os molestados pelo mundo reles. Ele fazia a diferença: praticava bondade sem olhar à condição social. Era a bondade personificada. Ímpar na generosidade. Um ouvinte catedrático: era tanta a gente desamparada, gente hesitante entre as veredas de uma encruzilhada, que lhe confessava as mortificações interiores; e ele, com uma paciência singular, ouvia narrativas intermináveis e oferecia refrigério. A generosidade ecoava na lucidez que emprestava sem pedir nada em retribuição.
Apoquentado pelas dúvidas metafísicas, não era credor da generosidade em proveito alheio para encontrar cativo lugar celestial. Os mais próximos, encantados com tanta bondade condensada numa pessoa, não paravam de avisar que devia pensar também em si. Afligia-os que transitasse épocas inteiras em estéreis campos de solidão. Nunca quis falar dessa peregrinação em que partia sem periodicidade. Comentavam, os mais próximos, que assim recuperava as forças exangues de tanta bondade praticada nos outros.
De tanto abrir janelas ao bem alheio, foi negligente consigo. Caiu doente, tremendamente doente, sem aviso. Não quis contar aos mais próximos. A doença consumiu-o num ápice. Recusou receber em visita os que queriam mostrar derradeira homenagem. Não queria homenagens. E não queria angustiar quem o visitasse no hospital. Já só era uma caricatura do que fora. Sabia que não era a superficialidade do físico em decadência que contava. Mas até nesse ato final lhe sobrou grandeza, ao poupar os mais próximos a uma última imagem exterior que não era ele.

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