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Era um compêndio de bondade. Até
nas atitudes sumariamente condenadas pelo cidadão comum, aquelas que destilavam
um rosário de maldade, remexia as entrelinhas para descobrir explicações para a
maldade inexplicável aos olhos dos outros. Era um monumento ao desprendimento,
um altruísmo deslocado do tempo e do lugar. Nunca o viram sorumbático. Oferecia
sempre o rosto tranquilo, um sorriso nem que fosse em forma de esboço. A voz
era um altar da candura.
Não se empenhava num quotidiano
monástico, que tinha as suas dúvidas metafísicas, mas rivalizava com frades e
freiras que tomavam entre mãos a bondade com os desprotegidos, os molestados
pelo mundo reles. Ele fazia a diferença: praticava bondade sem olhar à condição
social. Era a bondade personificada. Ímpar na generosidade. Um ouvinte
catedrático: era tanta a gente desamparada, gente hesitante entre as veredas de
uma encruzilhada, que lhe confessava as mortificações interiores; e ele, com
uma paciência singular, ouvia narrativas intermináveis e oferecia refrigério. A
generosidade ecoava na lucidez que emprestava sem pedir nada em retribuição.
Apoquentado pelas dúvidas
metafísicas, não era credor da generosidade em proveito alheio para encontrar
cativo lugar celestial. Os mais próximos, encantados com tanta bondade
condensada numa pessoa, não paravam de avisar que devia pensar também em si.
Afligia-os que transitasse épocas inteiras em estéreis campos de solidão. Nunca
quis falar dessa peregrinação em que partia sem periodicidade. Comentavam, os
mais próximos, que assim recuperava as forças exangues de tanta bondade
praticada nos outros.
De tanto abrir janelas ao bem
alheio, foi negligente consigo. Caiu doente, tremendamente doente, sem aviso.
Não quis contar aos mais próximos. A doença consumiu-o num ápice. Recusou
receber em visita os que queriam mostrar derradeira homenagem. Não queria
homenagens. E não queria angustiar quem o visitasse no hospital. Já só era uma
caricatura do que fora. Sabia que não era a superficialidade do físico em
decadência que contava. Mas até nesse ato final lhe sobrou grandeza, ao poupar
os mais próximos a uma última imagem exterior que não era ele.
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