30.10.12

Bons rapazes


In http://www.icbas.up.pt/~vazpires/pessoal_files/fotografia/Miudos%20carro%20rolamentos.jpg
Não era do orfanato por onde dormiam e eram educados. Ou as ruas desertas, palco de tresloucados atos quando decidiam fugir das camaratas. Não eram as traquinices diárias – os ovos deitados no banco da paragem sob as calças finórias de um engravatado, ou a bola rebentada enchida com um paralelepípedo antes de pedirem a um velhinho para a chutar, ou as apalpadelas em meninas colegiais e senhoras lascívias no meio da multidão acotovelada à saída da estação de comboios. Nem os sustos que pregavam ao pedinte cego quando faziam de conta que tomavam o pecúlio das esmolas, antes de o devolverem um punhado de minutos depois. Nem era o vernáculo escorreito, quando gente bem comportada reprovava os desvarios que cortejavam nas ruas. Não eram as faltas à escola (que os professores agradeciam a ausência). Não eram as carteiras de turistas furtadas com esmero de profissional. Não era pelas brigas com bandos rivais, nem pelos dentes que partiam e as cabeças que, esmurradas, iam a caminho do hospital. Não era pela fruta que roubavam às feirantes, apesar delas vociferarem a pulmões inteiros. Não era pelos charros, e depois pelas drogas duras para as quais não tinham réditos, que a culpa era dos teimosos preconceitos sociais que as mantinham ilegais e as encareciam. Ou sequer pelos furtos mais frequentes, com uso de destreza, que os vícios tinham de se pagar e os furtos eram a devolução com juros pela teimosia da ilegalização. E nem sequer quando, já adultos, fizeram da violência bruta a muleta da diária delinquência, nem assim deixaram de ser bons rapazes. Os outros, os que se louvam de não serem transgressores e de serem exemplares cidadãos, tinham deles visão distorcida. Os bons rapazes sempre tiveram um fundo bom. Corrompido, porém, pelas adversidades em que a ruim sociedade dos dias atuais é pródiga. E tinham a sua maior serventia: eram observados por sociólogos, antropólogos e psicólogos que ensinavam como os bons rapazes eram vítimas de todas as contrariedades exteriores a eles. Aos demais só restava a tolerância. Nem que fossem suas vítimas na diária atividade de delinquência.  

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