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Não era do orfanato por onde dormiam
e eram educados. Ou as ruas desertas, palco de tresloucados atos quando
decidiam fugir das camaratas. Não eram as traquinices diárias – os ovos
deitados no banco da paragem sob as calças finórias de um engravatado, ou a
bola rebentada enchida com um paralelepípedo antes de pedirem a um velhinho
para a chutar, ou as apalpadelas em meninas colegiais e senhoras lascívias no
meio da multidão acotovelada à saída da estação de comboios. Nem os sustos que
pregavam ao pedinte cego quando faziam de conta que tomavam o pecúlio das
esmolas, antes de o devolverem um punhado de minutos depois. Nem era o
vernáculo escorreito, quando gente bem comportada reprovava os desvarios que
cortejavam nas ruas. Não eram as faltas à escola (que os professores agradeciam
a ausência). Não eram as carteiras de turistas furtadas com esmero de
profissional. Não era pelas brigas com bandos rivais, nem pelos dentes que
partiam e as cabeças que, esmurradas, iam a caminho do hospital. Não era pela
fruta que roubavam às feirantes, apesar delas vociferarem a pulmões inteiros.
Não era pelos charros, e depois pelas drogas duras para as quais não tinham
réditos, que a culpa era dos teimosos preconceitos sociais que as mantinham
ilegais e as encareciam. Ou sequer pelos furtos mais frequentes, com uso de
destreza, que os vícios tinham de se pagar e os furtos eram a devolução com
juros pela teimosia da ilegalização. E nem sequer quando, já adultos, fizeram
da violência bruta a muleta da diária delinquência, nem assim deixaram de ser
bons rapazes. Os outros, os que se louvam de não serem transgressores e de
serem exemplares cidadãos, tinham deles visão distorcida. Os bons rapazes sempre
tiveram um fundo bom. Corrompido, porém, pelas adversidades em que a ruim
sociedade dos dias atuais é pródiga. E tinham a sua maior serventia: eram observados
por sociólogos, antropólogos e psicólogos que ensinavam como os bons rapazes
eram vítimas de todas as contrariedades exteriores a eles. Aos demais só
restava a tolerância. Nem que fossem suas vítimas na diária atividade de
delinquência.
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